São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 1999




Desemprego e corrupção
são desafio chinês


Ao implantar reformas no socialismo à chinesa,
Partido Comunista obtém relativo sucesso na área econômica, mas alimenta áreas de tensão social


do enviado à China

O Partido Comunista, embora registre sucessos na área econômica e consiga empurrar ventos nacionalistas, sabe que o seu ‘‘socialismo com características chinesas’’ produz efeitos que alimentam tensões sociais. Entre os principais desafios, está o aumento do desemprego e a crescente corrupção.

Associated Press
Migrante chinês que deixou o interior do país dorme em rua de Pequim


Esses fatores preocupam hoje o governo mais do que o movimento pró-democracia. Primeiro, porque a repressão mantém suas garras afiadas e impede o surgimento de organizações que possam repetir os protestos estudantis da praça Tiananmen (Paz Celestial), que terminaram com o massacre promovido por tropas do governo em 1989. O governo estima em 200 o número de mortos. Grupos de defesa dos direitos humanos falam em até 2.000.

REPRESSÃO
Os efeitos da repressão de Tiananmen sobrevivem até hoje. O movimento estudantil não conseguiu se reorganizar, e o governo deixou clara sua mensagem: ‘‘Vocês têm liberdade para ganhar dinheiro, mas não para contestar a permanência do PC no poder’’.

France Press
Policiais conversam com mulheres
suspeitas de pertencer a seita proibida
pelo governo


Em 98, a China admitiu a existência de 2.050 presos acusados de ‘‘subversão’’ ou ‘‘atividade contra-revolucionária’’. Grupos pró-direitos humanos avaliam haver 10 mil prisioneiros políticos no país. A eficiente máquina repressiva mantém sob rígido controle os movimentos separatistas no Tibete, dos seguidores budistas do Dalai Lama, e no Xinjiang, região no noroeste do país habitada por etnias muçulmanas.
A principal surpresa recente para o PC surgiu neste ano e não veio de um grupo pró-democracia ou separatista. Foi protagonizada por uma seita que, contrariando as leis que proíbem manifestações, reuniu, em abril, 10 mil pessoas às portas da sede do governo em Pequim. Os seguidores da Fa Lun Gong, crença que mistura elementos de budismo e meditação, exigiam o reconhecimento da seita. O culto foi banido.
O episódio Fa Lun Gong mostrou que o governo continua a temer qualquer tipo de organização fora do seu controle. O Partido Comunista continua se recusando a admitir um projeto de abertura política, mas tenta mostrar como sinal de flexibilidade e ‘‘laboratório para experiência’’ a introdução de eleição direta para prefeito em vilarejos rurais.
O crescimento da seita evidenciou também o sucesso de apelos feitos por grupos que buscam canalizar o descontentamento com os efeitos colaterais do ‘‘socialismo à chinesa”. A Fa Lun Gong fala, por exemplo, na cura dos efeitos do estresse por ‘‘meios alternativos’’, uma proposta que soa como música a desempregados.

COMPETITIVIDADE
Com as reformas pró-capitalismo, competitividade e produtividade se tornaram palavras frequentes no vocabulário econômico chinês. O PC abriu mão de sua promessa de emprego para todos.
Nas zonas urbanas, com uma população de cerca de 409 milhões de habitantes, o desemprego já atinge 3,1% (cerca de 12 milhões), segundo estimativas oficiais. Sobre a área rural, não há dados, mas o governo admite a existência de um exército de 100 milhões de camponeses vagando pelo país em busca de trabalho.
O desemprego e o fantasma da instabilidade social são, atualmente, a principal ameaça ao regime. Para enfrentar o desafio, o governo transformou, em 98, o Ministério do Trabalho em Ministério do Trabalho e da Previdência Social. Mais uma admissão de que o Estado já não está automaticamente organizado para garantir o ‘‘paraíso aos proletários’’.
‘‘Temos de enfrentar não apenas a pressão das demissões feitas por estatais que buscam ser mais competitivas’’, afirma Liu Yong Fu, chefe de gabinete do novo Ministério do Trabalho e da Previdência Social. ‘‘Temos também de gerar emprego para 8 milhões de novos trabalhadores ao ano.”
As empresas estatais, responsáveis por 30% da produção industrial chinesa, despontam como maior dor de cabeça para o governo. Em 1998, o resultado total dessas 300 mil companhias apresentou um prejuízo 21,9% maior do que no ano anterior. E uma das chaves para para sanear essas indústrias é demitir trabalhadores.
‘‘Cerca de um terço da mão-de-obra nas empresas estatais é excedente’’, calcula Liu Yong Fu. O governo, no entanto, descarta demissões e privatizações em massa, com medo da instabilidade social.
Para os que perderam seu trabalho na área estatal, o governo oferece seguro-desemprego durante dois anos e num valor entre 70% e 80% do último salário.
‘‘Temos também um programa que busca estimular demissões voluntárias, a fim de encaminhar esses trabalhadores para o setor privado’’, conta Liu Yong Fu.
O premiê Zhu Rongji, ao assumir o cargo em 98, prometeu completar em três anos a reforma das paquidérmicas companhias estatais, herança pesada dos tempos maoístas. Mas, na semana passada, o Partido Comunista já colocou o longínquo 2010 como prazo para tornar as ‘‘estatais competitivas e saudáveis’’, sem detalhar a fórmula a ser seguida.
‘‘Não devemos seguir, de maneira nenhuma, o caminho das privatizações’’, sentenciou o “Diário do Povo”, porta-voz do PC. Segundo ele, as estatais que controlam setores como energia e telecomunicações devem ‘‘se fortalecer e expandir’’.
O presidente Jiang Zemin lançou uma ofensiva anticorrupção que levou a imprensa oficial a estampar escândalos envolvendo membros do governo. Chegou a ser preso o então integrante do Politburo (principal órgão dirigente do Partido) e ex-prefeito de Pequim Chen Xitong. Ele foi acusado de receber propinas para autorizar construções na capital.
Jiang promove também reformas no Judiciário, para aperfeiçoar o combate à corrupção e melhorar as garantias aos investidores estrangeiros. ‘‘Mas começamos as reformas tarde, apenas nos anos 80’’, diz Duan Zheng Kun, vice-ministro da Justiça.
O PC busca promover uma imagem de ‘‘probidade’’. Sabe que o regime que o antecedeu, o do Kuomintang (nacionalistas), sofreu ataques e causou impopularidade devido à corrupção. Quer evitar o mesmo destino dos derrotados em 1949.
(JAIME SPITZCOVSKY)


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