São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 1999




O que é socialismo com características chinesas


do enviado à China

O dirigente comunista Deng Xiaoping, em 1978, deslanchou a principal revolução capitalista deste fim de século, ao iniciar a introdução da economia de mercado na China.
Para tentar descrever o malabarismo que une sistema econômico baseado no capitalismo a uma estrutura política apoiada no comunismo, o governo chinês criou a expressão ‘‘socialismo com características chinesas’’.
Essa mistura, desafio para os conceitos que conjugam liberdade política e econômica, reúne forte participação estatal na economia, nascente setor privado financiado principalmente por capital estrangeiro e as chamadas cooperativas, companhias ligadas a estruturas de poder local (municipal ou regional) e que contam com a participação dos trabalhadores na sua condução.
Segundo o governo chinês, o Produto Interno Bruto (PIB, quantidade de riquezas produzidas pelo país), estaria hoje praticamente dividido em partes iguais entre esses três setores (33% para cada um).
As empresas estatais controlam, por exemplo, os ‘‘setores estratégicos’’, como energia, transporte, telecomunicações e siderurgia.
As cooperativas e as empresas privadas, sejam de capital chinês, joint ventures (associação com parceiro estrangeiro) ou de investidores de fora do país, se concentram na indústria leve (brinquedos e roupas), no comércio e na área de serviços. Como objetivo principal delas, a exportação.
A forte presença de uma burocracia estatal, formada pelos funcionários do Partido Comunista, cria deformações que levaram o sistema chinês a ser chamado de ‘‘capitalismo de guanxi’’. A palavra em chinês quer dizer ‘‘relação’’ e se refere à importância de ter conexões nas estruturas burocráticas, que ainda guardam peso fundamental para influenciar o mundo da iniciativa privada.
Esses funcionários públicos emitem licenças de funcionamento, alvarás e uma miríade de documentos exigidos num país que, segundo alguns historiadores, seria o berço da burocracia.
Portanto, para empresários chineses e investidores estrangeiros, a chave para o sucesso na China está no ‘‘guanxi’’, um mecanismo que favorece a corrupção.

ESTRANGEIROS
Na China, o capital estrangeiro é, ao lado dos investimentos do governo, o combustível que faz o carro andar. Em 1998, o país recebeu mais de US$ 45 bilhões, ficando atrás apenas do Reino Unido (2º) e EUA (1º), segundo a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento).
O ‘‘espírito chinês’’ também ajuda a chegada de capitais. Calcula-se que cerca de 80% dos investimentos externos existentes no país venham de chineses da diáspora, estimulados por condições propícias ao investimento, como incentivos fiscais, e pelo ‘‘sentimento patriótico’’.
Investidores chegam ainda em busca de mão-de-obra barata. O salário mínimo varia entre as regiões da China. Em Pequim, contabiliza 250 yuans (US$ 30), mas em regiões mais remotas, como no Xinjiang (noroeste), pode alcançar só 160 yuans (US$ 19,5).
Os investidores estrangeiros já não pensam apenas em montar empresas voltadas à exportação. Agora, dirigem-se também ao consumidor chinês, cuja renda per capita saltou de US$ 195 em 1990 para US$ 774 em 1998.
Com o avanço das reformas e o aumento das diferenças sociais, também mudam os ‘‘objetos de desejo’’ do consumidor chinês. ‘‘Nos anos 80, eles eram a bicicleta, a máquina de costura e o relógio’’, diz Shi Zhongquan, do Instituto de Pesquisa do Comitê Central do PC. ‘‘No começo dos anos 90, computador, geladeira e TV. Agora, a lista é celular, carro, casa e viagem de turismo ao exterior.’’
O ‘‘socialismo com características chinesas’’ cria situações estranhas, como a da compra de uma casa: o proprietário é dono da residência, mas, como a terra ainda pertence ao governo, ele recebe um certificado de usufruto do terreno por até 90 anos. (JS)


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