São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 1999




Países podem gerar próxima
Guerra Fria


Ascensão da economia chinesa e provável busca
pela hegemonia na região asiática podem acirrar
rivalidade entre Estados Unidos e China


MARCIO AITH
de Washington

Quase três décadas depois da visita histórica do ex-presidente Richard Nixon à China comunista, em 1972, as circunstâncias que permitiram a construção de uma parceria estratégica entre Washington e Pequim ao longo deste período já não existem mais.

21.fev.72 - Associated Press
Em 1972, Richard Nixon, o primeiro presidente dos EUA a visitar a China, cumprimenta Mao


O fim do regime soviético e a ascensão da China à categoria de uma das potências econômicas e militares do planeta transformaram o regime e o poder comercial chineses em novos fantasmas aos olhos de parte dos EUA.
Como resultado, os dois países parecem rumar para uma rivalidade que deverá marcar as primeiras décadas do novo século. Tal rivalidade já desponta como o principal assunto externo debatido na campanha presidencial norte-americana. Os pré-candidatos do Partido Republicano acusam o presidente Bill Clinton e seu vice, o pré-candidato democrata Al Gore, de fragilizar as defesas dos EUA ao sucatear as forças militares e permitiindo que a China roubasse segredos militares.
As opiniões sobre a intensidade dessa rivalidade são divergentes. Variam conforme os autores que as fazem e com base nos movimentos de aproximação e de afastamento entre os dois países.

France Press
Bill Clinton recebe em Washington Jiang Zemin, presidente chinês


País mais populoso do mundo, a China deverá ter também a maior economia do globo em 2015.
Até lá, estima-se que a classe média chinesa sozinha se iguale, numericamente, ao total da população norte-americana, formando o mais influente mercado consumidor do mundo.
“Isso dará ao governo chinês um poder inigualável de barganha e de pressão nas suas relações bilaterais e dentro de organismos multilaterais como a Organização Mundial do Comércio”, disse Tom Condon, principal analista, em Hong Kong, do banco de investimentos Morgan Stanley.
“A China poderá atuar no cenário econômico internacional com a mesma desenvoltura com a qual os EUA agem hoje”, disse ele.
No campo político, o combustível para o aumento da rivalidade é ainda maior. A derrocada soviética e a proibição imposta ao Japão no final da 2ª Guerra Mundial de construir poderio militar ofensivo podem deixar a China como potência hegemônica na Ásia.
Isso contraria frontalmente a mesma estratégia da Casa Branca, cuja quebra justificou a participação dos EUA em três guerras no continente durante o século 20 e que consiste em impedir que um país consolide o poder na Ásia.

Associated Press
Soldados do Exército de Libertação, o maior do mundo em contigente, realizam manobra militar em praia da China


A 2ª Guerra Mundial e as guerras no Vietnã e na Coréia foram motivadas pelo desejo dos EUA de brecar os objetivos e planos do Japão e da ex-União Soviética.
Essa estratégia dos EUA ficou clara com a recente revelação dos diálogos secretos tidos, na década de 70, pelo ex-secretário de Estado Henry Kissinger com o dirigente chinês Mao Tse-tung e com Leonid Brejnev, então secretário-geral do PC da URSS.

Kissinger cumpriu rigidamente a disposição histórica dos EUA de criar dois pólos de poder na Ásia e de jogar um contra o outro.
Aproveitando-se do rompimento de Pequim com Moscou, Kissinger foi à China e alertou Mao sobre um hipotético plano soviético de invadir o país. Ao mesmo tempo, avisou Brejnev que Mao, usando seu gigantesco exército, poderia ameaçar a soberania territorial soviética.
Naquela época, ficou famosa a seguinte frase de Kissinger: “Uma vez que a China se torne forte o suficiente para se sustentar sozinha, poderá nos descartar. Um pouco mais tarde poderá até se virar contra nós, se a percepção de seus interesses assim exigir”.
Para grande parte dos norte-americanos, chegou a hora de a China se voltar contra Washington, e os EUA devem se preparar. “A China já elegeu os EUA como inimigo supremo do país. Dadas as características do regime totalitário de Pequim, a ascensão chinesa na Ásia ameaça a democracia no mundo e o equilíbrio de poder na região”, diz Ross Munro, co-autor do livro “The Coming Conflict With China”, (“O Futuro Conflito com a China”), que prevê um novo período de Guerra Fria no mundo.
Munro acredita que a intimidação militar virá em breve. “Isso é inevitável. Há algo de errado com a ambição chinesa. Eles não sabem outra estratégia que não a de impor, com métodos intimidatórios, seu regime e sua filosofia aos países vizinhos.”
O livro de Munro foi criticado por autoridades chinesas, para quem os autores tentam dar uma justificação moral para os objetivos intervencionistas e expansionistas dos EUA na Ásia, travestindo-os de ações humanitárias.
Segundo elas, Munro e o outro autor do livro, Richard Bernstein, difamaram as intenções do governo de Pequim. Para eles, os chineses têm total influência para reivindicar a hegemonia na Ásia, que, embora possa ameaçar os EUA, é saudável para o mundo.
Munro discorda. Ele lembra as denúncias, feitas por entidades e governo dos EUA, de violações de direitos humanos na China e das ameaças ao uso, por Pequim, de força militar para reintegrar Taiwan ao território chinês.
“Apesar dos nossos problemas, os EUA são pluralistas e democráticos. A hegemonia norte-americana não ameaça as democracias no mundo. A China, instintivamente, quer voltar para o único modelo histórico que sabe ter efeitos práticos no sentido de garantir sua segurança e poder. Um modelo em que os países vizinhos servirão como subalternos de sua política externa dominante.”


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