São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 1999




MULHER
Escritora fala de "submissão"


SYLVIA COLOMBO
de Londres

O comunismo trouxe às chinesas relativa igualdade em relação aos homens, mas os dois passaram a ser iguais na ‘‘escravidão e submissão’’ a Mao Tse-tung.

Patrícia Santos- 10.abr. 95/Folha Imagem
A chinesa Jung Chang


A opinião é da escritora chinesa Jung Chang, 47, autora de “Cisnes Selvagens” (1991), livro que analisa as mudanças na sociedade e na política chinesa por meio da biografia de três gerações de mulheres: a autora, sua mãe e sua avó.
Jung está trabalhando numa biografia de Mao, ao lado do marido Jon Halliday. O livro será lançado no Reino Unido em janeiro de 2001. Em entrevista à Folha, em sua casa em Londres, Jung falou sobre sua visão da mulher chinesa à luz das mudanças históricas do país.
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Folha - Como é a posição da mulher na sociedade chinesa hoje, comparando com a da época de sua avó, por exemplo?
Jung Chang - Depois de terminar “Cisnes Selvagens”, pensei em como seria descrever as mudanças sociais em relação a uma quarta geração de mulheres, que viria depois de mim.
Penso que, se fizesse isso, sentiria transformações bem mais rápidas, pois o processo de abertura da sociedade chinesa é cada vez mais acelerado, e as mulheres estão desenhando seu espaço, apesar de todas as dificuldades que a tradição e a política colocaram em seu caminho.
Folha - Como assim?
Jung - As mulheres não só conquistaram muito no terreno da liberação sexual _estamos falando de uma sociedade que viveu de casamentos arranjados por muito tempo_, como no da participação na economia e na sociedade.
Folha
- Mas isso acontece em toda a China? Como é, por exemplo, na zona rural?
Jung - Não, obviamente não estou falando de todo o país. Acho que, nas grandes cidades, as mulheres vivem como as mulheres das grandes capitais européias. Na China rural é bem diferente. Diria até que as três gerações que descrevi em “Cisnes Selvagens’’ convivem ali, ainda que sem a tradição do concubinato ou dos pés atrofiados (mulheres tinham os pés enfaixados para evitar que crescessem, pois o pé pequeno era um dos padrões de beleza), de que minha avó fez parte.
Folha - Como assim? Por exemplo, no livro você relata que sua bisavó não tinha nome porque vinha de uma família pouco importante e por ser mulher. Isso ainda acontece?
Jung - Não, não acontece. O que quero dizer é que em alguns lugares distantes dos grandes centros e muito conservadores, as mulheres têm a mesma importância na sociedade que tinham na época em que era concebível que uma pessoa não recebesse um nome, como ocorreu com minha bisavó.
Folha - Com Mao a mulher começou a atingir uma igualdade?
Jung - É preciso ter muito cuidado ao falar disso. Sim, foi com os comunistas e com Mao que o sistema de concubinato acabou, assim como a tradição dos pés atrofiados. Sob Mao, homens e mulheres foram colocados num mesmo nível de importância na sociedade, mas é preciso dizer que ambos foram escravizados. Homens e mulheres passaram a ser iguais, mas na submissão.
Folha - Como as mulheres foram escravizadas?
Jung - Antes de Mao, as mulheres não eram livres e tinham de se submeter às regras da tradição. Mao as libertou disso, mas também as colocou na lavoura e nos trabalhos pesados, onde elas nunca haviam sido envolvidas antes.
Durante o ‘‘Grande Salto para a Frente’’ (1958-1959), todas as mulheres foram trabalhar, até as velhas, grávidas e doentes, tanto na lavoura como nas fábricas. O desenvolvimento da China ambicionado por Mao teve um preço caro às mulheres.


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