São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 1999




Consumismo invade país
do partido único


Partido Comunista reduz controle no dia-a-dia
dos chineses, permite entrada de influências da
moda ocidental e abala o puritanismo da Era Mao


do enviado à China

E nquanto no universo da ‘‘ideologia oficial’’, o Partido Comunista acelera o retorno a valores da cultura tradicional chinesa antes rejeitados pelo maoísmo, a onda consumista se apóia no avanço da ocidentalização. Os chineses comem nas mais de 200 lanchonetes McDonald’s espalhadas pelo país, usam maquiagem francesa Christian Dior ou japonesa Shiseido e dançam, em Pequim, sob as luzes piscantes e a música techno da discoteca Ponto Vermelho.

France Press
Chinesa fala ao celular em rua de Hong Kong


Em seu cotidiano, os chineses se livraram da quase onipresença do Partido Comunista, que preferiu limitar sua interferência na economia e na política.
Nos períodos de maior fervor revolucionário, nos anos 60 e 70, o PC interferia até nos casamentos. Os noivos chegavam a ter de pedir, para casar, a autorização dos ‘‘líderes do danwei’’ (o local de trabalho).
O puritanismo pregado durante a Revolução Cultural (1966-1976, período de radicalização do maoísmo) dá lugar a uma revolução nos costumes.
Sexo pré-casamento deixou de ser tabu, e casais se beijam e se abraçam em público.
‘‘Na Revolução Cultural, andar de mãos dadas com o namorado era visto como ‘costume da burguesia decadente’’’, conta o comerciante Zhang Xiaodong, 48. Encostado na porta de sua loja de roupas na rua Sanlitun, região central de Pequim, ele observa um casal que se abraça.
No centro da capital chinesa, a principal artéria comercial, a Wangfujing, foi transformada em um calçadão e, segundo as autoridades municipais, 500 mil pessoas, em média, passam diariamente por ela. Pequim tem 11 milhões de habitantes.
A Wangfujing serve de vitrine do consumismo e da alquimia capitalismo-comunismo instalados na China.
Mistura lojas de departamentos do governo, farmácias privadas especializadas em ervas para a medicina tradicional chinesa, caixas automáticos de bancos estatais e particulares e livrarias que oferecem obras de administração e gerenciamento traduzidas do inglês, além de volumes com discursos de Mao Tse-tung em língua chinesa ou inglesa.

France Press
Modelo chinesa com saia transparente em feira de moda


Essa mescla também tempera as propagandas.
Na Wangfujing, uma loja de roupas decora a sua entrada com a foto de uma modelo ocidental, que veste trajes inspirados na moda do Ocidente, mas carrega um quepe do Exército Popular de Libertação chinês.
Apesar dessas misturas, no mundo do consumo o peso maior vem de valores importados do Ocidente. O avanço da ocidentalização ocorre sobretudo no campo fértil das zonas urbanas, mais abertas a novas influências. No entanto, cerca de 70% da população chinesa ainda vive na área rural, um universo tradicionalmente mais conservador.
Os chineses têm acesso a valores e modas ocidentais, por exemplo, por meio da mídia de Hong Kong, posto avançado de influências estrangeiras. Lêem revistas e assistem a programas de TV provenientes da ex-colônia britânica.
‘‘Gosto principalmente dos clips do Channel V (cópia asiática da MTV)’’, diz Gao Jing, 18. Ela comprava CDs de música pop chinesa, vinda de Hong Kong, no Yansha, uma das principais lojas de departamento de Pequim.
Além das influências da ex-colônia britânica, a Internet é também uma importante válvula de escape num país em que é proibido recorrer a antenas parabólicas (estrangeiros e pessoas com autorização do governo têm direito a esse ‘‘privilégio’’).
Segundo dados oficiais, a China conta com 4 milhões de usuários de Internet, cifra que deve saltar para 10 milhões no próximo ano. O governo ainda tenta bloquear o acesso a sites considerados hostis ao regime, como os de grupos de oposição no exílio e entidades pró-direitos humanos.
As empresas estrangeiras também compõem a maré que traz modas e tendências de consumo. Abrem lojas sofisticadas, em shopping centers suntuosos, para vender, para homens, roupa Hugo Boss e, para mulheres, modelos da Esprit.
A túnica estilo Mao Tse-tung, com o inconfundível colarinho alto, praticamente desapareceu.
Sobrevive em paisagens rurais e foi substituída, no mundo das empresas e das instituições governamentais, por terno e gravata.
Na área de fast food, atuam na China, além do McDonald‘s, Pizza Hut e Kentucky Fried Chicken. Já há também versões nativas de ‘‘comida rápida’’, como a Ma Lan Noodle, fundada em 1993 e hoje com 350 filiais.
Em junho, um congresso médico na China atacou ‘‘efeitos maléficos da ocidentalização’’. Acusou as cadeias de fast food de serem uma das principais responsáveis pelo fato de 20% das crianças de Pequim serem consideradas obesas, contra 7% em 1983.
Como outra novidade no cenário social, o governo admite o aumento da criminalidade. Embora não haja dados confiáveis para medir o fenômeno, a polícia anuncia com frequência ofensivas anticrime que visam, principalmente, as redes de prostituição e de contrabando.
Outra mostra da preocupação em Pequim com segurança: os táxis têm grades que buscam proteger o motorista de um ataque do ‘‘passageiro-bandido’’. (JS)


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