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Previsão põe a China na
frente de americanos
Desempenho do país será maior que o dos EUA nos próximos
20 anos, mas o maior entrave pode ser a má distribuição
de renda, foco de tensões sociais
GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas
A economia chinesa vai superar a dos EUA nos próximos 20 anos.
Essa é a previsão de um dos principais especialistas em
desenvolvimento econômico, Angus Maddison, que publicou recentemente
uma verdadeira bíblia das perspectivas chinesas pela OCDE (Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), entidade
com 24 países desenvolvidos.
Associated
Press
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Chineses
observam tela de computador em feira de informática ralizada
na capital da China
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Mesmo assim, nove em cada dez economistas no mundo inteiro continuam apostando
contra a economia chinesa. A principal aposta é numa desvalorização
cambial no ano 2000.
Até agora, os chineses conseguiram escapar à especulação.
Se continuarem assim, serão os grandes vitoriosos da crise financeira
do final do século 20.
O Japão tem uma longa marcha pela frente, sem inspirar entusiasmo.
Os EUA estão entrando num ciclo de desaquecimento. A União
Européia pode crescer um pouco mais, mas não tem o dom de
puxar o resto do mundo.
Se ninguém parece destinado a ir muito bem nos próximos
anos, como a China conseguiria ultrapassar o resto e se transformar na
economia-líder do século 21?
A resposta é relativamente simples. Não destoa dos manuais
básicos de economia, mas se choca frontalmente com as receitas
de desenvolvimento econômico apregoadas pelo consenso liberal dos
últimos anos. A grande chance chinesa repousa sobre dois pilares:
dimensão do mercado interno e cautela na exposição
aos capitais externos. É o oposto da receita que, muitas vezes
em nome de modelos asiáticos, prescreve ajustes exportadores
e aumento da exposição externa.
Nem por isso é desprezível o papel das exportações
e do investimento estrangeiro na performance recente da China. O país
de fato embarcou num ciclo típico de plataforma exportadora e se
transformou no principal destino de capitais dispostos a correr os riscos
de mercados emergentes.
Mas é preciso qualificar isso que parece igualar a China a outras
plataformas asiáticas. Primeiro, porque os capitais que lá
aportaram buscam o posicionamento para explorar o fabuloso mercado interno,
ainda por ser desenvolvido. Segundo, porque muito do investimento é
resultado dos interesses da enorme comunidade chinesa que está
fora do país.
Em seu mais recente relatório, aliás, a Unctad (Conferência
das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento)
sublinha que apenas China e Índia têm resistido melhor à
crise global, sem terem embarcado nas modas da liberalização
global.
O que Angus Maddison, da OCDE, faz questão de lembrar são
os fatores de longo prazo que definem o potencial chinês. Até
o início do século 19, a China era a maior economia do planeta.
Trata-se de uma sociedade que, ademais, teve existência como unidade
política e econômica anterior a outros países cuja
modernidade é normalmente associada ao surgimento (recente, pelo
padrão chinês) de um Estado.
Outra forma de entender a importância da China é reparar
que o governo vem fazendo ampla reforma no sistema financeiro doméstico,
passando até por uma moratória sobre débitos externos
e fechamento de mercados.
Em resumo, uma das economias mais importantes do mundo está enfrentando
a crise sem adotar o modelo do FMI. Provavelmente, esse será visto,
daqui a alguns anos, como um dos fatores decisivos na promoção
da China a líder econômico no século 21.
Maddison estima ainda que mesmo na hipótese de o crescimento econômico
chinês cair a uma taxa de 5,5% ao ano, o país ficaria em
pé de igualdade com os EUA em 2015. Neste momento, o PIB chinês
estaria valendo o equivalente a 17% do PIB mundial (a renda per capita,
no entanto, ainda seria inferior à americana).
Se alguma coisa coloca em risco essa perspectiva, hoje ela vem de dentro
do país e não de especuladores globais ou organismos de
financiamento com pacotes destrutivos. É a distribuição
de renda.
A renda da população rural chinesa, estimada em quase 70%
do total de habitantes do país, caiu 10% nos últimos dois
anos, aumentando a desigualdade entre a maioria e a minoria urbana, cuja
renda cresceu e representa, agora, 70% da renda total.
Um país com má distribuição de renda, como
se sabe, é uma eterna promessa de desenvolvimento. As tensões
sociais, no entanto, costumam atuar como obstáculos, especialmente
políticos, às decisões de investimento e financiamento.
Ou seja, não basta um mercado interno grande, ele precisa ser crescente
e sustentável. Disso dependerá o papel da China no próximo
século.
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