São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 1999




Previsão põe a China na
frente de americanos


Desempenho do país será maior que o dos EUA nos próximos 20 anos, mas o maior entrave pode ser a má distribuição de renda, foco de tensões sociais


GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

A economia chinesa vai superar a dos EUA nos próximos 20 anos. Essa é a previsão de um dos principais especialistas em desenvolvimento econômico, Angus Maddison, que publicou recentemente uma verdadeira bíblia das perspectivas chinesas pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), entidade com 24 países desenvolvidos.

Associated Press
Chineses observam tela de computador em feira de informática ralizada na capital da China


Mesmo assim, nove em cada dez economistas no mundo inteiro continuam apostando contra a economia chinesa. A principal aposta é numa desvalorização cambial no ano 2000.
Até agora, os chineses conseguiram escapar à especulação. Se continuarem assim, serão os grandes vitoriosos da crise financeira do final do século 20.
O Japão tem uma longa marcha pela frente, sem inspirar entusiasmo. Os EUA estão entrando num ciclo de desaquecimento. A União Européia pode crescer um pouco mais, mas não tem o dom de puxar o resto do mundo.

Economia chinesa cresce,
mas diminui ritmo em 98
Evolução do PIB
Balança comercial
Taxa de crescimento
anual diminui ritmo em 98


Se ninguém parece destinado a ir muito bem nos próximos anos, como a China conseguiria ultrapassar o resto e se transformar na economia-líder do século 21?
A resposta é relativamente simples. Não destoa dos manuais básicos de economia, mas se choca frontalmente com as receitas de desenvolvimento econômico apregoadas pelo consenso liberal dos últimos anos. A grande chance chinesa repousa sobre dois pilares: dimensão do mercado interno e cautela na exposição aos capitais externos. É o oposto da receita que, muitas vezes em nome de “modelos asiáticos”, prescreve ajustes exportadores e aumento da exposição externa.


Nem por isso é desprezível o papel das exportações e do investimento estrangeiro na performance recente da China. O país de fato embarcou num ciclo típico de plataforma exportadora e se transformou no principal destino de capitais dispostos a correr os riscos de mercados emergentes.
Mas é preciso qualificar isso que parece igualar a China a outras plataformas asiáticas. Primeiro, porque os capitais que lá aportaram buscam o posicionamento para explorar o fabuloso mercado interno, ainda por ser desenvolvido. Segundo, porque muito do investimento é resultado dos interesses da enorme comunidade chinesa que está fora do país.
Em seu mais recente relatório, aliás, a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) sublinha que apenas China e Índia têm resistido melhor à crise global, sem terem embarcado nas modas da liberalização global.
O que Angus Maddison, da OCDE, faz questão de lembrar são os fatores de longo prazo que definem o potencial chinês. Até o início do século 19, a China era a maior economia do planeta.
Trata-se de uma sociedade que, ademais, teve existência como unidade política e econômica anterior a outros países cuja modernidade é normalmente associada ao surgimento (recente, pelo padrão chinês) de um Estado.
Outra forma de entender a importância da China é reparar que o governo vem fazendo ampla reforma no sistema financeiro doméstico, passando até por uma moratória sobre débitos externos e fechamento de mercados.
Em resumo, uma das economias mais importantes do mundo está enfrentando a crise sem adotar o modelo do FMI. Provavelmente, esse será visto, daqui a alguns anos, como um dos fatores decisivos na promoção da China a líder econômico no século 21.
Maddison estima ainda que mesmo na hipótese de o crescimento econômico chinês cair a uma taxa de 5,5% ao ano, o país ficaria em pé de igualdade com os EUA em 2015. Neste momento, o PIB chinês estaria valendo o equivalente a 17% do PIB mundial (a renda per capita, no entanto, ainda seria inferior à americana).
Se alguma coisa coloca em risco essa perspectiva, hoje ela vem de dentro do país e não de especuladores globais ou organismos de financiamento com pacotes destrutivos. É a distribuição de renda.
A renda da população rural chinesa, estimada em quase 70% do total de habitantes do país, caiu 10% nos últimos dois anos, aumentando a desigualdade entre a maioria e a minoria urbana, cuja renda cresceu e representa, agora, 70% da renda total.
Um país com má distribuição de renda, como se sabe, é uma eterna promessa de desenvolvimento. As tensões sociais, no entanto, costumam atuar como obstáculos, especialmente políticos, às decisões de investimento e financiamento. Ou seja, não basta um mercado interno grande, ele precisa ser crescente e sustentável. Disso dependerá o papel da China no próximo século.


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