Seinfeld quer volta de "Seinfeld" para mais uma cena
Jerry Seinfeld, o comediante, ganhou fama e fortuna (fala-se em US$ 500 milhões) ao levar para a TV sua rotina de humor, em que observa de maneira bem-humorada fatos corriqueiros e que continua a fazer até hoje, em pequenos clubes nas grandes cidades dos EUA.
"Seinfeld", a série, mudou a maneira como os norte-americanos faziam comédia de situação e pode ter sido o último grande exemplar de um gênero em crise ou já em extinção, cuja fórmula de três câmeras, uma platéia e o chamado "laughing track" (as risadas de fundo) foi primeiro popularizada nos anos 50. Ficou no ar de 1989 a 1998 e despediu-se num episódio assistido por 75 milhões.
Divulgação |
"Bee Movie" é o novo projeto de Jerry Seinfeld |
Desde então, o comediante de 53 anos se casou, teve três filhos, escreveu livros infantis e se viu "obrigado" a fazer um longa de animação, depois de inventar um argumento (uma abelha que resolve processar a humanidade pelo uso indevido de mel) e um nome trocadilhesco ("Bee Movie", filme da abelha mas também filme B) apenas para preencher um buraco num jantar sem assunto com Steven Spielberg.
"Bee Movie - A História de uma Abelha" estreou há três finais de semana nos EUA, faturou US$ 90 milhões em bilheteria até agora e chega ao Brasil no dia 7 de dezembro. Yadda, yadda, yadda, a Folha falou com Seinfeld na Cidade do México, na última segunda-feira. Leia trechos da conversa abaixo:
FOLHA - Você já disse que é um grande fã do tipo de rotina consagrado pela dupla Abott & Costello na comédia, o louco e o certinho que se completam. Em "Seinfeld", você era o certinho, o centro de razão no qual orbitavam os três amigos loucos.
JERRY SEINFELD - Exato. O que não faz nenhum sentido, você percebe, porque eu interpreto um comediante no programa e os outros são teoricamente as pessoas normais levando vida normais.
FOLHA - Em "Bee Movie", no entanto, é o oposto: Barry B. Benson, seu personagem, é o ousado, que quer deixar a colméia e conhecer o "mundo real", e seu amigo (Mathew Broderick) é o careta, que o tenta dissuadir. É seu "momento Kramer"?
SEINFELD - Não sei se Barry é tão maluco quanto Kramer... Talvez um pouco, sim. Não sei, pareceu a maneira certa de conduzir a história. [Pensativo] Gozado, não tinha percebido isso, realmente eu sou o mais louco da história...
FOLHA - E que tal?
SEINFELD - É divertido. Mas acho que eu prefiro ser o mais centrado das histórias. É mais divertido. Mas eu acho tudo divertido, na verdade, então não dá para saber.
FOLHA - Você leu o artigo na sexta-feira retrasada no "New York Times" de uma bióloga dizendo que o mundo das abelhas é muito mais "proibido para menores", no sentido de que é mais sexual do que o que você retrata no filme?
SEINFELD - [Risos] Li. Mas isso não me incomoda, cientistas falando que eu não agi corretamente. Por onde começar? O personagem principal é uma abelha. E tem os olhos azuis! Nós tiramos duas patas dele, porque estavam atrapalhando. Ele usa uma malha. Anda de tênis. Por que não começar pela incorreção científica dos tênis?
FOLHA - Mas você estudou alguma coisa da vida das abelhas?
SEINFELD - Sim, li muito. Mas comédia não tem regra. A única regra é que tem de ser engraçado e o público tem de rir. O resto não interessa. Assim, há fatos cientificamente corretos sobre abelhas no filme, você provavelmente sairá do filme sabendo mais do que quando entrou, mas o principal é que você ria e se divirta. Entre ciência e comédia, eu escolho a comédia.
FOLHA - Vai haver um "Filme Cê", uma continuação?
SEINFELD - [Risos] Não sei ainda, vamos ver.
FOLHA - O que "Seinfeld" foi para a comédia de situação de TV já foi comparado ao que os Beatles foram para a música pop. Nesse sentido, você seria o McCartney da dupla de criadores, com um humor brilhantemente cotidiano, e Larry David o Lennon da história, mais ousado, mais arriscado. Concorda?
SEINFELD - Em primeiro lugar, eu nunca nos compararia aos Beatles, mas fico lisonjeado que alguém tenha feito isso. Para mim, os Beatles são uma das melhores coisas que o ser humano já fez. Dito isso, você não estaria completamente enganado na analogia das duplas. Principalmente na nossa habilidade de trabalhar bem juntos, como era a relação de Lennon e McCartney. Havia uma química, a combinação de duas perspectivas criativas.
FOLHA - E uma hora não havia mais a química, daí o fim da série?
SEINFELD - As últimas duas temporadas eu fiz sozinho, Larry não conseguiu continuar. Mas isso foi um dos melhores presentes que ganhei, porque eu tive de fazer tudo sozinho, o que foi bom, diferente, eu aprendi um novo processo criativo.
FOLHA - E o fim é definitivo.
SEINFELD - Sim. Mas estou pensando em fazer uma última cena.
FOLHA - Só uma cena?
SEINFELD - Só uma cena, não um episódio inteiro nem uma temporada a mais. O problema é que teria de ser agora, para aproveitar que acabamos de lançar a última temporada em DVD. Mas eu estou muito ocupado na promoção de "Bee Movie"...
FOLHA - Vocês se reuniram pela primeira vez em nove anos para a mesa-redonda que está no DVD extra da caixa completa. Qual a sensação?
SEINFELD - Assim que nós cinco nos sentamos juntos de novo, tivemos aquela sensação de antes. Como se fosse aquele pequeno conjunto perfeito, em que todos têm seu próprio instrumento, que combina perfeitamente com o dos outros... Assim que sentamos, começamos a falar "Eu quero gravar um episódio agora", "Vamos fazer de novo", alguém pegou papel e caneta e começou a escrever o roteiro...
FOLHA - E por que não?
SEINFELD - Julia tem seu próprio programa, todo o mundo está fazendo alguma coisa, é difícil. A vida continua, por outros caminhos.
FOLHA - Você já disse que era contra a chamada "TV reunion", em que o elenco de uma série que fez sucesso um dia se reúne anos depois para mais uma temporada ou um especial de Natal. Continua?
SEINFELD - Normalmente, é uma coisa triste... É melhor deixar quieto. Para usar sua analogia dos Beatles, muita gente sempre quis que eles voltassem para mais um álbum, mais um show, ou algo assim, e eu acho que nós provavelmente somos mais felizes porque eles nunca fizeram isso. Eu já vi grupos cômicos se reunir anos depois e tentar fazer a mesma coisa que faziam, mas o tempo passou, a sensação é outra, eles estão mais velhos, já não é mais tão engraçado... Se houve um momento especial, é melhor mantê-lo especial.
FOLHA - Você é religioso? Sei que flertou com a cientologia...
SEINFELD - Mas foi há 35 anos. Mas já tive muito interesse em budismo, em meditação transcendental --como os Beatles [Risos]--, sou judeu. Acho que uma boa filosofia de vida é tirar pequenas coisas de várias filosofias diferentes e construir sua própria perspectiva. Foi o que fiz. Criei minha própria maneira de viver a vida.
FOLHA - E qual é o tamanho do judaísmo no pacote?
SEINFELD - Grande. Bem grande. Não diria que sou praticante, não vou ao templo, não sigo a maioria dos preceitos, mas ser judeu é mais do que uma religião, é uma experiência cultural.
FOLHA - O que aconteceu no programa do Larry King? Você perdeu a cabeça?
SEINFELD - Ele esqueceu que meu programa não foi cancelado e eu, é claro, usei a oportunidade para gozar da cara dele.
FOLHA - Mas você parecia genuinamente ofendido com o fato de ele não saber que o programa não foi cancelado.
SEINFELD - Não, esse é meu trabalho, gozar da cara das pessoas sempre que possível. Larry é como um membro da minha família, um tio, quando você tem um jantar de família grande e um dos parentes mais velhos diz alguma coisa errada e todas as crianças gritam para corrigi-lo. Foi isso. Eu estava fingindo.
FOLHA - Você vende essa imagem de bom pai, bom marido, profissional equilibrado, de alguém que não tem um lado negro, o que é obviamente impossível. Qual é o seu?
SEINFELD - Todo o mundo tem um, nem que seja pequeno. Todo o mundo. Mas é impublicável.*
O jornalista SÉRGIO DÁVILA viajou a convite da Paramount.
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