Festival gaúcho traz versão uruguaia de Nelson Rodrigues
Um rio separa a agitação de Buenos Aires da sisudez de Montevidéu. Imagem semelhante serve para distinguir a produção teatral das duas capitais, a julgar pelas amostras vistas nesta edição do Porto Alegre em Cena, um dos mais importantes festivais de artes cênicas do Brasil.
A. Persichetti/Divulgação |
A atriz uruguaia Adriana do Reis, que interpreta Frida Kahlo em peça |
O Uruguai tem a representação mais numerosa da ala internacional da mostra --são cinco espetáculos. Na dramaturgia de quase todos eles, ecoam vozes estrangeiras.
Só um, "Van Gogh", leva assinatura uruguaia --de Ever Blanchet, autor, cabe ressaltar, radicado na Espanha há mais de 30 anos. As outras peças são criações de uma francesa (Yasmina Reza, de "Un Dios Salvaje"), de uma alemã (Dea Loher, de "El Último Fuego"), de um mexicano (Humberto Robles, de "Kahlo Viva la Vida") e de um brasileiro (Nelson Rodrigues, de "Los Siete Gatitos").
"Isso foi um recorte da curadoria. Há bons autores uruguaios em atividade, escrevendo sobre a falta de comunicação, as idiossincrasias do país ou fazendo obras de denúncia social", ressalta a atriz Adriana do Reis, do monólogo "Kahlo".
Do outro lado do rio, uma das marcas do teatro portenho (ao menos do independente, realizado à margem das salas oficiais, mantidas pelo governo, e das comerciais, ocupadas por musicais e comédias desopilantes) é a autoralidade.
É comum dramaturgos assumirem também a direção de seus textos. Em alguns casos, acumulam ainda a interpretação, como faz aqui em Porto Alegre Jorgelina Aruzzi de "La Madre Impalpable", comédia sobre a busca de uma mãe por responsáveis pelo preconceito que o filho gordinho sofre na escola. As outras duas peças argentinas do festival têm igualmente autores-diretores.
Também no que se refere ao tom das atuações, argentinos e uruguaios navegam em águas bem distintas. Os primeiros priorizam um naturalismo verborrágico, convulsivo, que empresta à cena um ar de espontaneidade, até de improviso. No fundo, tudo é meticulosamente construído.
Já os uruguaios parecem preferir o registro melodramático, de performances intensas, viscerais, sublinhadas por música.
"É como nos ensinam nas escolas de nosso país. Talvez o teatro argentino, e também o brasileiro, sejam mais despojados, desenvoltos. Mas não cabe fazer juízo de valor, não é?", diz Reis, levemente contrariada com a insistência da reportagem na "queda" de seus compatriotas por interpretações que rondam a estridência.
Na montagem de "Los Siete Gatitos", boa parte do elenco se safa do exagero, mas não se pode dizer o mesmo dos figurinos, uma tentativa canhestra de apreender o estilo kitsch do subúrbio carioca caro a Nelson Rodrigues.
As filhas de seu Noronha, que se prostituem para pagar o colégio e o casamento da caçula virginal Silene, aportam na margem uruguaia do rio da Prata metidas em trajes esvoaçantes rosa choque, laranja fluorescente e azul piscina. Dura travessia.
O jornalista LUCAS NEVES viajou a convite da organização do festival
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