Especialistas desconfiam que mural descoberto em SP seja de Yolanda Mohalyi
Dois peregrinos de semblante triste, amparados por Jesus e retratados em cores opacas. A cena da Bíblia conhecida como "No Caminho de Emaús" ficou escondida, sob camadas de tinta branca de parede, por décadas na sacristia da capela Cristo Operário, situada no pacato Alto do Ipiranga (zona sul de SP).
Rafael Hupsel/Folha Imagem |
A critica e curadora Maria Alice Milliet posa ao lado do afresco na Capela Cristo Operario |
"A construção estava, literalmente, caindo. A degradação estava espalhada por tudo", lembra o frei Marcelo Alves, que vive no conjunto. "Quando conseguimos os recursos para o restauro, no meio das obras, raspando a tinta da sacristia, o restaurador achou os primeiros cantos dessa pintura."
Festejada por moradores e religiosos, a descoberta ocorreu no restauro da capela, concluído no fim do ano passado. "Todo mundo vinha para ver essa maravilha. Falavam que era Volpi, que decorou o altar principal da capela. Mas ninguém tinha certeza", diz Alves.
A Folha levou ao local dois críticos de arte e curadores, ambos especialistas em pintura brasileira, Olívio Tavares de Araújo e Maria Alice Milliet.
Araújo é grande conhecedor da obra de Volpi (1896-1988), curador de "Volpi - A Música da Cor", última retrospectiva do artista em São Paulo, no MAM-SP, em 2006.
Já Milliet assina a curadoria de "Yolanda Molahyi - Nos Tempos das Bienais", reunião de 80 obras da artista húngara que é aberta para o público no próximo dia 5, na Pinacoteca do Estado, em São Paulo. Trata-se de um dos expoentes da pintura abstrata no Brasil.
Ambos atestam que a pintura mural é de Mohalyi. "Não tenho dúvidas; é de Yolanda. O uso das cores, as expressões faciais, o jeito como as figuras compõem a pintura, parece que caem, tudo aponta para a autoria dela", afirma Milliet.
"Volpi certamente não é. Se você pegar o trabalho que ele fez na capela e comparar com o mural, vê que são dois autores diferentes. Ele nunca pintaria rostos dessa maneira. Tem muito mais a ver com o estilo da Yolanda", avalia Araújo.
Milliet acredita que os dados biográficos da artista ajudam a atestar a autoria do mural. "Ela era católica e sempre foi ligada aos dominicanos, tanto que os vitrais da igreja de São Domingos, em Perdizes, são dela."
Além disso, a crítica de arte vê claros diálogos entre a pintura do batistério da capela, comprovadamente de Mohalyi, e o mural recém-descoberto.
"No batistério, também há esse desenho de rostos, o movimento das figuras para baixo."
Protegida
A capela Cristo Operário faz parte da propriedade da Ordem dos Dominicanos onde, até 1967, funcionava a Unilabor, fábrica de móveis liderada por Geraldo de Barros (1923-1998).
Todo o conjunto é tombado em nível municipal (pelo Conpresp), estadual (pelo Condephaat) e está em estudo pelo federal (pelo Iphan). Como a pintura foi achada depois do tombamento, ainda é preciso notificar os órgãos de patrimônio informando sobre a descoberta da possível obra de Mohalyi.
Para legitimar a autoria, é necessário um laudo técnico, com estudo da pigmentação e dos materiais usados na pintura para estimar a data da obra, além do parecer de especialistas explicando por que acham que a obra é da artista.
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