Veja crítica da historiadora Marly Motta sobre biografia de Getúlio
Para o jornalista Lira Neto, com vasta experiência no gênero biográfico, o projeto de escrever, em três volumes, a história de vida de Getúlio Vargas significou um desafio maior. Como achar uma entrada original para abordar uma das figuras históricas mais estudadas no Brasil, que já havia, inclusive, deixado um alentado diário, cuja publicação pretendera dar a palavra final ao dono dela?
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"Olha, faz como o Marechal de Ferro: confia em todos, desconfiando igualmente". Extraído da carta que o general Manuel Nascimento Vargas, admirador do ex-presidente Floriano Peixoto (1891-94), enviou ao filho recém-chegado ao poder, o trecho acima é a chave que Lira Neto nos oferece para justificar o estudo minucioso dos anos de formação (1882-1930) daquele que é considerado o político brasileiro mais importante do século 20. Está clara a proposta de estabelecer uma linha de continuidade entre o Vargas natural de São Borja, região de fronteira do Rio Grande do Sul, e o ditador/presidente em torno do qual gravitou o poder no Brasil ao longo de décadas.
São bem conhecidas as armadilhas do método biográfico, cujo maior perigo reside justamente no autor se deixar levar por explicações lineares calcadas apenas no destino final do biografado, a "ilusão biográfica", na expressão de Pierre Bourdieu. No entanto, ao se afastar desse "modelo pronto, racional e coerente", a trajetória de vida tem méritos incontestes, ao recolocar em cena o indivíduo como ator histórico legítimo, e fornecer indicações importantes acerca de suas relações com as condicionantes do contexto histórico e regional.
O contexto por onde circulou Getúlio, com maior ou menor liberdade de ação, se desvenda pela leitura do texto de Lira Neto, que busca combinar a fluência da linguagem com a validação conferida pela pesquisa cuidadosa. O leitor é logo alertado que "a terra é vermelha feito brasa, pelo sangue derramado nela". Estudos sobre a política na Primeira República (1889-1930), embora privilegiando a dupla "café-com-leite" --Minas e São Paulo--, incluíram o Rio Grande do Sul, estado periférico ao eixo central do poder, cuja presença na federação foi marcada por disputas internas violentas.
Juntar os dois personagens, Getúlio e o Rio Grande do Sul, é o grande mérito do livro. Que papel jogaria no novo regime uma elite política que havia sido fator de instabilidade no período anterior? Como a socialização em uma região de fronteira conformaria a visão de Getúlio, considerado o construtor do moderno Estado brasileiro? Até que ponto o padrão de longa permanência no poder, vigente na política gaúcha, influenciaria as escolhas feitas pelo ditador/presidente ao longo da vida, inclusive o seu próprio fim? Lira Neto não apresenta respostas, mas seu texto captura o leitor, e a ele dá liberdade de montar o seu próprio enredo.
GETÚLIO
AUTOR Lira Neto
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 52,50 (664 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
MARLY MOTTA é professora-associada da FGV (Fundação Getúlio Vargas)
Livraria da Folha
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