Leia resenha do livro "Poemas", de Adonis, por Mario Helio Gomes
Aos critérios para medir os atrasos do Brasil deveria ser acrescentado este: o do déficit de traduções. Especialmente no caso da poesia.
Tradutor fala da primeira antologia de Adonis no país
Mesmo levando-se em conta algumas brilhantes exceções, há muito por fazer. Basta ver-se o caso do sueco Tomas Tranströmer (1931) e do sírio Adonis --ou Ali Ahmad Said Esber (1930).
Quando ambos estiveram, no ano passado, como favoritos na bolsa de apostas para o Nobel de Literatura (vencido pelo primeiro), não havia traduções de seus livros no Brasil.
Agora, com o lançamento de "Poemas", a injustiça quanto a Adonis começa a ser desfeita, e ainda melhor sendo tradução direta do árabe.
Michel Sleiman, o tradutor (que também é poeta) acertou com, ao invés de escolher um livro específico, organizar uma seleta.
Sob o título singelo "Poemas", há textos de livros com títulos exuberantes, como "Livro das Transformações e da Fuga pelas Regiões do Dia e da Noite", "Celebração do Claro-escuro", "Índice das Ações do Vento".
Como se pode deduzir pelos títulos citados, e na lista exaustiva que o tradutor põe no fim da coletânea, a obra de Adonis é larga (e inclui também traduções e ensaios). Talvez por isso mesmo, coubesse uma apresentação mais extensa e didática. Sente-se falta, sim, de uma nota biográfica mais longa e de maior contextualização de sua obra.
Além de explicações mais técnicas sobre as traduções, e até cotejando-as com as de outros idiomas.
Adonis é um poeta de enormes recursos. Funciona tanto em voz alta quanto na leitura silenciosa e quieta.
O tradutor conseguiu com rara felicidade reproduzir em português a energia de uma poesia que não é propriamente lírica ou épica, porque extrapola os gêneros.
Nas soluções verbais mais simples é que se reconhece um bom tradutor: "Por ser todo eco o horizonte/ retorno do que vem, exaltamento/ não envelhecem os ventos".
Note-se que Sleiman, ao invés de empregar o mais comum substantivo "exaltação", preferiu "exaltamento".
Quem sabe nessa palavra "exaltamento" esteja uma das características mais claras da poesia de Adonis.
Como o deus fenício, de que tomou emprestado o nome, ele escreve poemas exaltados, altivos.
Mas não se limitam os poemas à apóstrofe. São meditativos, reflexivos; interrogam, ensinam e emocionam. Odes, salmos, hinos à Alegria.
Por vezes, lembram o paganismo febril e vigoroso de Whitman, aliás homenageado num dos poemas incluídos neste livro (inevitável associar ao Lorca de Poeta em Nova York, concluído na época em que nascia Adonis).
Fernando Pessoa, outro que dedicou ode a Whitman, disse, pela voz de Alberto Caeiro, que fora o único poeta da natureza. Não está mais só, tem a companhia de Adonis, na voz de Sleiman.
MARIO HELIO GOMES é jornalista e curador de literatura da Fliporto
"POEMAS"
AUTOR Adonis
EDITORA Companhia das Letras
tradução Michel Sleiman
QUANTO R$ 42 (256 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
Livraria da Folha
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