Primeira a destoar do mito, biografia de Sylvia Plath segue relevante
Um dos aspectos do mito em torno de Sylvia Plath é sua figura de mulher abandonada --colocando o marido de quem se separou, o poeta inglês Ted Hughes, na posição do homem cruel.
Morta há 50 anos, poeta Sylvia Plath ainda confunde
Os amigos de Hughes reagiram, e teve início uma curiosa "guerra das biografias". "Bitter Fame" (1989), da poeta norte-americana Anne Stevenson, aqui publicada como "Amarga Fama" (Rocco, 1992), foi a primeira feita com o auxílio de Olwyn Hughes, irmã de Ted e gerenciadora dos direitos sobre a obra de Plath.
O livro foi criticado como sendo a versão de Hughes dos fatos, na qual ele era retratado de modo favorável. Primeira biografia "dissidente" da tese da mulher traída e abandonada cultivada por muitos dos seguidores de Plath, "Amarga Fama" segue falada.
Reprodução | ||
Os poetas Ted Hughes e Sylvia Plath, recém-casados em 1956 |
Stevenson publicou também estudos sobre a poeta Elizabeth Bishop, com quem se correspondeu quando ela morava no Brasil.
Leia a entrevista que ela concedeu à Folha, por telefone.
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Folha - Apesar das várias biografias de Sylvia Plath publicadas, "Amarga Fama" é bem conhecida e discutida. A que a sra. credita isso?
Anne Stevenson - "Amarga Fama" foi escrita com a esperança que eu dividia com Olwyn Hughes quando me propus a escrever o livro, que ele iria revelar o verdadeiro estado das relações entre Sylvia Plath e Ted Hughes nos meses que antecederam o suicídio de Plath. O relacionamento deles tinha dois lados e era complexo, não simplesmente o caso de Ted Hughes abandonar sua mulher por uma femme fatale,na figura de Assia Wevill.
Como deixa claro o livro "Cartas de Aniversário", de Hughes, o lado escuro do talento excepcional de Plath era o mito aterrorizante que ela criou de sua própria existência. Isso era apoiado por uma insistência rígida em perfeição absoluta e constante em sua vida, como em sua obra.
Olwyn Hughes havia experimentado pessoalmente a natureza inflexível das exigências de Plath e tinha tanto a me mostrar e me dizer que as feministas que culpavam Hughes pela morte de Plath não sabiam. Foi só depois que li os arquivos de Plath nos EUA que comecei a entender não apenas a visão negativa que Olwyn tinha dela, mas também o desamparo de Plath, sua necessidade irracional de conseguir aprovação para sustentar seu controle precário da vida.
Se "Fama Amarga" foi, como descreveu Janet Malcolm, o primeiro relato inteligente e crível da vida de Plath, isso ocorreu por que, no final, eu tive de me livrar tanto dos preconceitos feridos de Olwyn como da histeria desinformada dos que atacavam Ted.
Eu deveria ter esperado até que o próprio Hughes tivesse se pronunciado. Mesmo assim, algo devia ter sido feito naquela época, 1989, 90, para agir contra as fantasias e falsidades que circulavam largamente em várias biografias parciais e na imprensa.
A sra. afirma não considerar Plath uma poeta confessional, como Anne Sexton. Por quê? Como a sra. vê os paralelos entre os trabalhos das duas?
Bem, há vários paralelos na qualidade de suas imaginações, e na maneira como seus poemas fazem uso de suas experiências pessoais. Mas Plath, muito por influência de Hughes, instintivamente tornou seus melhores poemas em mitos.
Além disso, sua linguagem visual intensa é carregada de ritmos inesquecíveis; eles arrastam o leitor para dentro de seus poemas como rituais de iniciação. Abra "Ariel" aleatoriamente, e cada poema abre uma porta a uma visão.
Alguns dos primeiros poemas de Anne Sexton são carregados, certamente, do mesmo tipo de energia alucinatória. As duas poetas se conheceram e trocaram opiniões sobre criatividade e suicídio em 1959, quando eram alunas de Robert Lowell em Boston; mas Anne Sexton parou ali.
A decisão de Lowell de introduzir sua história de vida pessoal em sua poesia logo se tornou um maneirismo da moda; "confissão" se tornou o rótulo de um estilo literário aceito, pavimentando o caminho para prêmios e publicações.
Plath, em Devon, antes de seu suicídio, tinha começado a questionar a ideia de que poesia deveria funcionar como terapia, enquanto Sexton, que cometeu suicídio bem depois, perdeu seu caminho nos emaranhados da psicanálise.
A "loucura" autêntica que energizou a poesia dos dois primeiros livros de Sexton não podia mais sustentá-la. Ela começou a trabalhar com uma fórmula, a imitar seu próprio modo, e em vez de sair do poço, como era, ela cavou mais e mais fundo nisso, entregando-se tanto quanto podia em suas agonias pessoais.
Em "A Mulher Calada", Janet Malcolm descreve as condições sob as quais a sra. trabalhou enquanto escrevia "Fama Amarga", especialmente no que se refere à irmã de Ted Hughes, Olwyn. Essa descrição é precisa?
Sim, mas eu acho que Olwyn não me conhecia muito bem. Em princípio, eu não dou a impressão de estar segura sobre mim mesma ou minhas opiniões.
Elaine Feinstein, escrevendo sobre a vida de Ted Hughes em 2000, para minha surpresa me descreveu como "mousey" (algo como "tímido", "quieto como um rato"). Ela também não me conhecia.
No princípio eu e Olwyn nos demos bem. Foi ela, então uma agente literária, que conseguiu generosas antecipações de "royalties" de dois editores para escrever "Fama Amarga". Ela até sugeriu o título, de um poema de Anna Akhmatova. Então acho que Olwyn pensou que eu poderia escrever meu livro como ela ditava. Eu a magoei bastante quando me recusei a tomar seu ponto de vista como uma verdade evangélica.
Ela se sentiu amargamente traída, tanto que nunca mais estivemos em contato desde que "Fama Amarga" apareceu com uma nota de autor expressando uma gratidão levemente insincera por suas contribuições.
"Fama Amarga" foi criticado ao ser publicado, mas alguns críticos, como Al Alvarez, atacaram seu trabalho como poeta para desacreditar o livro. Como a sra. reagiu a isso? Naquela época, a sra. sentiu que sua carreira como poeta e acadêmica sofreu com as críticas e a atenção que o livro gerou?
Al Alvarez estava bravo comigo por que eu trabalhei com Olwyn Hughes e nunca o entrevistei --o que, para ser justa, eu deveria ter feito. Mas na ocasião a guerra entre os "Hughesites" e os "Plathites" tinha me deixado completamente exausta.
Desde que Ted proibiu Alvarez de publicar a segunda parte de um longo ensaio sobre a morte de Plath no "Observer" em 1963, Alvarez nutriu um agravo de escritor.
Eu acredito que ele atacou meu trabalho como poeta por que era uma vantagem para ele mostrar que eu tinha inveja de Sylvia Plath. Outros críticos fizeram o mesmo. Eu fiz o que todos os poetas fazem, ou deveriam fazer, sob tais circunstâncias: eu os ignorei.
Eu nunca senti inveja de Plath. Eu a considerava muito, muito além de mim. Eu estava, no entanto, perplexa com "Ariel", que apareceu no mesmo ano em que meu primeiro livro, "Living in America", foi publicado por uma pequena editora universitária em Michigan.
Naquele tempo eu havia descoberto a poesia de Elizabeth Bishop e estava me correspondendo com ela com vistas de escrever um estudo sobre o trabalho dela. Tanto Plath como Sexton eram minhas contemporâneas, e sua poesia poderosa, tipo ménade, certamente me perturbou.
Mas meu instinto foi não tentar imitá-las, mas em vez disso aprender distanciamento de Elizabeth Bishop. Então escrevi um pequeno livro sobre Bishop no qual expus algumas do que achei que eram suas ideias sobre poesia. E comecei um longo poema epistolar chamado "Correspondences", no qual tentei traçar a fonte das agonias mentais de Plath e de Sexton às suas origens na Nova Inglaterra puritana do século 19.
Eu não sabia então que as agonias mentais de Bishop eram provavelmente tão ruins ou piores que as das suas jovens contemporâneas. Isso por que Bishop, sempre digna e que guardava sua privacidade como ouro, nunca pede a pena do leitor; jamais se refere a seu alcoolismo crônico ou a sua sexualidade em seus poemas publicados.
A sra. escreveu bem mais sobre Bishop do que sobre Plath, e diz que a primeira lhe dizia mais que a segunda. Como a sra. compara o trabalho das duas?
Bem, eu não comparo seus trabalhos. Aprendi muito com Elizabeth Bishop sobre como "olhar" e "pintar" em poesia, e algo dela e de Sylvia Plath sobre ouvir.
Plath tinha um ouvido perfeito, e é seu ouvido para efeitos rítmicos que faz dos poemas de "Ariel", ao menos para mim, tão memoráveis. O ouvido de Bishop era mais como o meu, tradicionalmente treinado, devendo muito aos hinos batistas com os quais foi criada, mas polido por seus estudos de George Herbert e Gerard Manley Hopkins e modernizado por sua afiliação a Marianne Moore, Robert Lowell e Randall Jarrell.
Os ritmos de Plath estão enraizados, até onde posso dizer, em seu dom marcante de escolher sons e cadências que fazem exatamente os barulhos e padrões de som que conduzem a uma visão --que é mais um lampejo atemorizante, um choque que tem a força de um golpe físico.
Seus melhores poemas, acho, conseguem um efeito não pouco semelhante a suas próprias experiências com tratamentos de eletrochoque.
Eu sei que minha biografia de Plath parece ser contraditória à minha crença de que o trabalho e a vida de um poeta devem ser julgadas de modo diferente. Mas julgar não é saber, ou saber sobre. Sabemos pouco sobre a vida de Shakespeare, mas isso não afeta nossa apreciação de suas peças; a mesma coisa com Dante.
Mas há alguns escritores, e Sylvia Plath é um exemplo importante, cujas vidas e trabalhos são tão emaranhados que não saber quando e por que um poema foi escrito limita as possibilidades de entendê-lo.
E isso, para mim, diminui a universalidade de seus trabalhos, mesmo o de Sylvia Plath.
Ou talvez eu esteja errada e Sylvia Plath é uma poeta confessional, por fim. Ou talvez minha interpretação da palavra "confessional" é falha e teve, para mim, conotações egocentristas e autoindulgência.
Você pesquisou o tempo que Bishop passou no Brasil?
Eu comecei a me corresponder com Elizabeth Bishop em 1963, quando ela estava vivendo em Petrópolis com Lota de Macedo Soares, e eu li todos os livros e poemas que ela escreveu sobre o Brasil, mas nunca estudei especificamente a vida dela lá. Muitos outros biógrafos e escritores estudaram.
Sinto por não ter visitado o Brasil. Se eu o fizesse durante a vida de Elizabeth Bishop, eu poderia ter vivido uma vida diferente. Mas o caminho não trilhado está fechado para sempre. Aos 80 anos, não vou me permitir arrependimentos.
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