Retrospectiva de Alexander Sokurov revela peculiaridades do cineasta russo
Em meio à selva contemporânea das imagens ficou quase impossível distinguir os chamados "autores", artistas que renovam o cinema graças a uma potência única de invenção, dos meros competentes fazedores de filmes.
A retrospectiva "Alexander Sokurov - Poeta Visual", que acontece a partir de hoje até 16 de junho no CCBB, permite descobrir a solidez do projeto intelectual e a peculiaridade da forma que agregaram uma aura à obra do diretor russo e que têm feito seu trabalho durar mais que o instante dos fogos de artifício de festivais.
Os 30 filmes reunidos na mostra se distribuem em três grandes grupos: as elegias, as ficções em torno da filiação sobre o poder.
As elegias, que agregam um terço do conjunto de títulos, representam o que se poderia chamar, grosso modo, de face documental da obra do diretor.
Desde "Maria/Elegia Camponesa", de 1978, a "Elegia da Vida", realizado em 2006, o termo circunscreve tentativas de recuperar um objeto perdido.
"Uma elegia é, em geral, a ideia ou reminiscência de algo que aconteceu, do que queremos ter de volta, mas não podemos. Elegias são, para ser mais preciso, 'boas lembranças', experiências que tivemos e queremos ter de novo, mas não podemos. Porque a morte é um fato", esclarece Sokurov.
Nestes documentários, o cineasta distorce imagens e sons a fim de compor uma percepção dos objetos carregada de afetos, restaurá-los como vivências.
Tal modo de explorar a natureza sensorial do cinema revela-se ainda mais singular quando Sokurov o aplica a ficções. Em títulos fundamentais como "Os Dias do Eclipse" e "Mãe e Filho", o espectador se depara com técnicas que deslocam o modo tradicional de representar o espaço, que distorcem as perspectivas e impõem desequilíbrios à percepção.
Em vez de malabarismos formais, esses procedimentos põem em relevo, sem o artifício do 3D, as múltiplas dimensões do drama, as camadas de tempo e de significados a que damos o nome de "subjetividade".
Por fim, a retrospectiva é oportunidade para ver, em tela, a reinterpretação da história russa por meio da proeza técnica do filme num só plano alcançada em "Arca Russa".
E de assistir em conjunto à tetralogia sobre o poder, em que Sokurov captura a imersão na fragilidade dos todo-poderosos Hitler, Lênin, Hirohito, respectivamente em "Moloch", "Taurus" e "O Sol", e conclui com a magistral releitura do "Fausto" de Goethe este exame do que definiu como "crepúsculo da vontade".
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