Crítica: Texto próximo da poesia de 'Caderno de um Ausente' é precioso
"Caderno de um Ausente" vem sendo apresentado como o segundo romance do importante contista que é João Anzanello Carrascoza. Mais próximo da prosa poética, esse pequeno e precioso livro propõe a ruptura com formatos e a pesquisa de dicções.
O caderno é a escritura que um pai quer deixar para Beatriz, "o nome, que lhe demos, jamais deixará de ser a cicatriz primeira de teu destino", desde o começo Bia.
Encurtar o nome é preciso porque o que caracteriza a escrita de míope escolhida pelo o narrador é a opção pelo breve, pelo pequeno, pelo mínimo tempo, pela ninharia do instante que precisa ser intenso porque a vida é perda.
Falando à filha num uso expressivo do condicional, ao ensinar os caminhos da vida, prefere apontar as dúvidas ou encruzilhadas. Na estrada de Damasco importa menos a trajetória a ser seguida do que a possibilidade de escolhas, já que a escrita da vida é feita de intervalos, lacunas, rabiscos, emendas.
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
O escritor João Anzanello Carrascoza em mesa de debate na Flip, em 2012 |
O livro reproduz esse escrever e reescrever que é nossa passagem pelo mundo entrecortando a escrita por marcas gráficas de apagamentos: "vida menos poesia igual vazio".
Educar a filha para o afeto é ensiná-la a nomear o mundo. No reino das palavras, as únicas palavras que valem para sempre são as que anunciam o adeus.
Livro |
Caderno De Um Ausente |
João Anzanello Carrascoza |
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Entre a vinda da menina e o melancólico prenúncio da partida da mãe, o silêncio -mais uma vez na obra de Carrascoza -se avoluma, porque mostrar a Bia o mundo em que vai crescer é apresentar-lhe as palavras, os sons, as imagens no papel que como tela abriga rasuras, espaços em branco. Tudo breve, porque "a vida é um resumo".
O lirismo que reconstitui lembranças nessa espécie de memória do futuro não se derrama nunca porque é subitamente cortado por asperezas -espinhos e alfinetes- na narrativa que revela seu "molde bruto"de "granito lírico".
O romance vai se constituindo numa verdadeira teoria do olhar e da palavra, "o invólucro das palavras pode ser mais doce que a sua gema", e poderia concluir como Dante inicia sua "Divina Comédia": " Não lhe ouves, Beatriz, o amargo pranto?".
A marca poética de Carrascoza, no entanto —e aí está a beleza de sua escrita—, é a contenção. Em vez do pranto fica a partilha silenciosa da ausência.
BEATRIZ RESENDE é professora titular de poética da UFRJ.
CADERNO DE UM AUSENTE
AUTOR João Anzanello Carrascoza
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 34,90 (128 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
Livraria da Folha
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