Crítica
Diário ficcional de Drácula é prenhe de luxúria e violência
Está fadado ao fracasso e à decepção o candidato a leitor que buscar em "O Diário de Drácula" mais um da horda de romances que envolvem vampiros sedutores e pálidas adolescentes em crise de identidade.
A obra do romancista e semiólogo romeno Marin Mincu (1944-2009) investiga a verdadeira identidade de um herói pátrio –para isso, combina sua ficção com doses da história real, transcorrida na segunda metade do século 15.
Seu Drácula não é um morto-vivo capaz de se transformar em morcego, chupador de pescoços de mocinhas indefesas e, não poucas vezes, desejosas. O protagonista é o próprio Empalador, o príncipe Vlad 3º da Valáquia (região da Romênia), cuja crueldade sem fim teria sido a inspiração para o vampiro de Bram Stoker (1847-1912).
Divulgação | ||
O Conde Vlad Tepes, o Empalador |
O autor escocês, por sinal, é desprezado pelo fictício editor de "O Diário de Drácula" —que se confunde com o próprio Mincu de carne e osso. Na apresentação dos textos, o narrador conta que, em sua busca por saber mais sobre Drácula, chegou a ler Stoker: "Considerei-o deplorável", resume.
Mesmo assim, o romeno escolheu para sua narrativa a mesma estrutura usada na saga vampiresca. Aqui, porém, quem escreve o diário não é um observador apavorado, mas o próprio agente da história, consciente da imagem que pretende transmitir para a posteridade ("Serei eu mesmo o idealizador dos mais monstruosos fatos que contarão a meu respeito").
No romance de Mincu, o diário do príncipe da Valáquia foi encontrado mais de 500 anos depois de sua morte, preservado em compartimento secreto na masmorra do castelo às margens do Danúbio em que Vlad 3° (1431-1476) fora aprisionado pelo seu antigo parceiro Matias Corvino, rei da Hungria.
VÍTIMA
Emerge das anotações um nobre de refinada cultura, que cita filósofos gregos, dialoga com a obra de Dante e se corresponde com o papa Pio 2º (1405-1464), de quem foi herói –"atleta da cristandade", era chamado pelo religioso–, e vítima.
Líder guerreiro, protetor dos valacos contra os turcos, Dracul se vê enredado em trapaças palacianas e familiares –não sem fazer também as suas traições.
Vivendo como vítima, aquele que foi algoz medita sobre seu ser e a criação do mundo, embrenha-se pela metafísica e pela psicologia: "Não sou um monstro. Minhas histórias assustam somente porque aqueles que as leem sentem-se ligados à minha culpa".
Ele faz questão, porém, de contar sobre si histórias que são ainda mais assustadoras do que o folclore que envolve seu personagem. Espraia-se em sexo, meleca-se com sangue, sofre estupro, ordena empalamentos, queima multidões. Sua linguagem é, então, a um só tempo picaresca e lúbrica, prenhe de luxúria e violência.
E se mostra também poeta sofredor. Ao olhar com languidez o céu noturno, Vlad, o Empalador, o Dracul em pessoa, encarnação do Demônio e de todas as suas denominações, se derrama: "Minha mente se ilumina (...) Vejo os corpos celestes com meu olhar interior e fico cheio de alegria".
Que beleza.
O DIÁRIO DE DRÁCULA
AUTOR Marin Mincu
TRADUÇÃO Talita Tibola
EDITORA Autêntica
QUANTO R$ 36,90 (208 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom
Livraria da Folha
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