CRÍTICA
'Garotas' trata com potência pop as fissuras sociais da Europa atual
Inserção ou exclusão. Fazer parte ou ser desconsiderado. Em torno desses dilemas, a diretora francesa Céline Sciamma conseguiu em "Garotas" um resultado que exala contemporaneidade por todos os poros.
Seu terceiro filme avança na direção conquistada por "Tomboy". Naquele segundo longa, uma menina passava-se por menino para se integrar a um grupo durante as férias, colocando em questão limites dos gêneros sexuais.
"Garotas" segue as linhas que agregam e isolam, revela como o grupo funciona na afirmação e na recriação das identidades.
Divulgação | ||
Cena do filme "Garotas" ("Bande de filles"), de Céline Sciamma. Na cena, a atriz Karidja Touré, que interpreta Marieme (Vic) *DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM* |
O título brasileiro ameniza o teor da questão embutida no original, "Bande de Filles", que se refere a bando, turma, gangue.
Como cada um se relaciona com o grupo? Como o coletivo decide quem ele admite? O que o indivíduo passa a ser ou deixa de ser nesse movimento de integração? Em suma, como se forjam as identidades pessoal e social?
Em torno dessas dificuldades, "Garotas" mergulha nas fissuras da Europa contemporânea, em que a miragem de sociedade perfeita atrai todo tipo de excluídos com vontade de vitória.
Amontoados nas periferias, eles trouxeram suas diferenças étnicas, culturais e sociais para a vizinhança e dispararam reações crescentes do organismo social a esses "corpos estranhos".
TENSÃO
"Garotas", no entanto, não se resume à denúncia da tolerância de fachada já representada 20 anos atrás em "O Ódio", filme-paradigma da fratura. No longa de Sciamma, basta uma breve situação numa loja de roupas para mostrar a tensão da proximidade do outro.
A proximidade com que a câmera de Sciamma segue a beleza atípica de Karidja Touré nos conduz desde a primeira cena, na qual Marieme se distingue aos poucos da confusão coletiva no jogo de futebol e se individualiza ao voltar para casa.
As transformações de figurino, penteado, vocabulário, atitude, meio de vida e até de nome entram em cena como tantas etapas de uma codificação necessária para que ela se torne alguém.
Ao longo do caminho, "Garotas" reinterpreta com aparência de leveza e uma irresistível potência pop o que significa, hoje e sempre, querer ser.
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