RÉPLICA
Crítico perdeu a chance de ver onde reside a obra de Piccinini
Surpresa não é a palavra com que recebi a crítica de Fabio Cypriano sobre a exposição "ComCiência". ["Patricia Piccinini exibe obras realistas com discurso imbecil", Ilustrada, 18.out, pág. C8].
Em 2014, o jornalista escreveu uma crítica similar em relação à mostra "Ciclo", também curada por mim e outro sucesso de público no Centro Cultural Banco do Brasil.
Em ambos os casos, me surpreende o desinteresse em ouvir o que os autores, artistas e curadores têm a dizer, não deixando brecha para o adensamento de uma discussão tão atual quanto essa de construção de público no contexto brasileiro.
Minha prática como curador já soma 25 anos e mais de 200 exposições pelo mundo afora.
Rahel Patrasso/Xinhua | ||
"The Comforter", obra de Patricia Piccinini exposta no CCBB |
O Brasil pôde conhecer a obra de artistas como Anish Kapoor, Laurie Anderson e Brian Eno, dos tantos que confiaram a mim a tradução de seu trabalho para o público. Além disso, sou responsável pela direção artística de 11 museus de sucesso, como o Museu da Língua Portuguesa e o Museu do Caribe (Colômbia).
Tenho consciência de que minha prática multidisciplinar não se encaixa nos discursos tradicionais da crítica, contudo o jornalista demonstra desconhecer o cerne da minha ação cultural, que é exatamente o que parece lhe gerar a maior desconfiança: a construção de público, a criação de novas narrativas e a extensão de uma ponte generosa entre a arte contemporânea e os brasileiros que não tiveram oportunidade de se aproximar desse circuito.
Faço questão de simplificar códigos cifrados para criar uma porta convidativa ao grande público. Isso com o aval dos artistas e usando suas próprias palavras, adequadas à linguagem do público jovem, que é o meu foco.
Essa é uma das razões da receptividade das exposições e museus feitos por mim: as pessoas se sentem parte daquilo. Encher museus é um mérito em qualquer lugar do mundo. Os museus e centros culturais brasileiros despontaram na percepção mundial e em números de visitação porque ousaram criar linguagens mais inclusivas.
Curioso ver como o jornalista muda de opinião: em 2003, escreveu artigo na Folha em que exalta a obra e a capacidade de Piccinini de gerar interesse no grande público. O que claramente era valor para o autor antes por alguma razão se apresenta agora como defeito. Por que será?
O crítico perdeu a oportunidade de observar onde reside de fato a obra de Patricia: na transformação do público.
É vendo que lhe desagradei que confirmo a certeza do que estou fazendo. Não se cria o novo sem ultrajar alguns feudos antigos. Enquanto ele usa termos rasos e desatentos, eu abraço o público legitimamente ansioso por vivenciar arte sem os preconceitos na cabeça. Sei que você não gosta de mim, mas seus alunos gostam.
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