CRÍTICA
Filme sobre migração não se entrega a registros generalizantes
"Disseram que voltei americanizada", cantava Carmen Miranda nos anos 1940, quando o Brasil era mais conhecido por importar migrantes e quem morava fora era artista ou diplomata.
O documentário "Caminho de Volta", dirigido por José Joffily e Pedro Rossi, registra uma realidade que mudou muito. Hoje, são milhares de brasileiros legalizados ou clandestinos em relações ambíguas com o país onde foram viver e com o que deixaram.
Em vez de pretender abarcar demasiados aspectos de uma situação complexa e fugidia, o filme escolhe dois personagens, cujas idades, vivências e expectativas diferem.
O fotógrafo André Câmara vive em Londres há 20 anos, onde construiu uma carreira profissional, casou-se, teve filhos e descasou-se. Depois de uma fase difícil, está casado com uma britânica, é pai de um garoto de dois anos e considera retornar ao Brasil.
Maria do Socorro Monteiro é uma senhora de 87 anos que viveu os últimos 24 em Nova York e também se prepara para voltar ao Brasil. Ela não aprendeu o inglês e vive quase o tempo todo num apartamento cuidando do filho.
Os diretores adotam o formato de documentário de observação, sem entrevistas, em que a câmera acompanha apenas como testemunha. Desse modo, vemos situações em processo, que podem ou não oferecer revelações ou momentos dramáticos.
A escolha permite apreender as rotinas e os hábitos, identificar o grau de integração e de estranhamento desses indivíduos em outras culturas.
As conversações, por sua vez, mostram o lado avesso da história, o que os espera no reencontro com a realidade brasileira que, para eles, também se tornou distante e abstrata.
A escolha de dois personagens tem como efeito fazer o filme seguir duas histórias e apresentá-las numa estrutura que evidencia as diferenças.
Enquanto as angústias da senhora são mais introspectivas, capturadas em microdiscussões e nas tensões da face, as do fotógrafo são mais explícitas e culminam num diálogo de forte impacto entre ele e a atual mulher.
A vantagem é que o longa mantém-se fiel ao princípio sóbrio que escolheu e não se transforma num espetáculo de emoções. Nem se entrega a interpretações generalizantes sobre a migração. Apenas alcança sua dimensão humana, o que não é pouco.
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