CRÍTICA
Contundência do sambista Ismael Silva é iluminada em disco sagaz
O repertório do CD "Ismael Silva: Uma Escola de Samba", de Augusto Martins e Cláudio Jorge, dá a falsa impressão de que se trata apenas de mais uma tributo ao grande e pioneiro sambista, tão conhecida é a maioria das músicas.
Escutando-se as 14 canções, porém, percebe-se um trabalho engenhoso da dupla, sobretudo nos arranjos de Cláudio Jorge –que tocou com Ismael na fase final da vida do compositor, morto em 1978, aos 72 anos.
A segunda metade da década de 1920 e o início dos anos 1930 são o momento em que Ismael e os outros jovens pobres do bairro do Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, inventam o samba urbano como conhecemos e que se tornou pilar de qualquer ideia de identidade brasileira.
Quando começaram a ser gravadas, as músicas receberam orquestrações um tanto pesadas e próximas do maxixe, pois era a referência que se tinha. Cláudio Jorge, então, buscou uma sonoridade próxima da que se fazia nos botequins do Estácio, antes de Francisco Alves e Mario Reis levarem os sambas para os estúdios: instrumentos de cordas + percussão.
Mas acrescentou elementos dos conjuntos regionais que, a partir dos anos 1930, passaram a embalar muitos dos registros do então novo samba: violão de sete cordas e sopros, por exemplo.
Mais: inseriu instrumentos que só apareceram nos discos nas décadas de 1970 e 1980, após o aparecimento do grupo Fundo de Quintal: tantã, repique de mão e banjo.
O resultado é um som que abrange quase cem anos de samba, mas sem excessos, tudo servindo às ótimas composições de Ismael e seus parceiros (Noel Rosa entre eles), casos de "O que Será de Mim", "A Razão Dá-se a Quem Tem", "Pra me Livrar do Mal" e "Quem Não Quer Sou Eu".
Acervo U.H/Folhapress | ||
O cantor e compositor fluminense Ismael Silva, tema do disco "Uma Escola de Samba" |
Em "Me Diga Teu Nome" (lançada em 1931), o arranjo recua mais no tempo e cita uma chula, bem pré-Estácio.
Já quando são sambas mais próximos de nós (dos anos 1950 aos 1970), o som ganha outras referências, como de samba-canção e bossa nova. Acontece em "Antonico", "Contrastes" e "Peçam Bis".
Teorias à parte, ouve-se com prazer as interpretações de Augusto Martins e Cláudio Jorge, que se complementam: o primeiro, de voz grave; o segundo, mais aguda; o primeiro, de 46 anos, enfático e valendo-se da potência vocal; o segundo, de 66, sutil e carregando muito conhecimento sobre a história do samba.
A vida de Ismael espelha essa história. Começa com o sucesso jovial baseado em letras exaltando a malandragem; vem a primeira queda, com passagem pela prisão e, depois, um pedido desesperado de atenção (em "Antonico"); a redescoberta quando a classe média, politizada nos tempos convulsos que deram no regime militar, olha para os "sambistas de morro"; e o ocaso no qual a altivez é minada pelo esquecimento.
O CD ilumina Ismael e sua contribuição para o Brasil.
LUIZ FERNANDO VIANNA é autor de "Aldir Blanc "" Resposta ao Tempo" (Casa da Palavra).
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