CRÍTICA
'Trumbo' constrói retrato ardiloso da indústria do entretenimento
Dalton Trumbo pode ter sido vencedor de dois Oscar e criador de uma penca de roteiros brilhantes, alguns transformados em filmes, como "Mortalmente Perigosa" (1950) e "Spartacus" (1960), que quem vê não esquece.
A cinebiografia "Trumbo "" Lista Negra" vem chamando a atenção como o filme pelo qual o protagonista da série "Breaking Bad", Bryan Cranston, concorre ao Oscar de melhor ator. Mas é mais que isso.
O reconhecimento episódico da Academia a Cranston vale mais por outros serviços prestados, pois seu desempenho em "Trumbo" tem a prudência de não se tornar maior do que o papel pede.
Como habilidoso criador da dramaturgia hollywoodiana, Trumbo (1905-1976) costumava reagir como uma de suas criaturas, dando ênfase dramática quando o momento pede. É este personagem cabotino que Cranston interpreta. Dessa forma, o filme pode transitar da tragédia à farsa sem perder tempo demais no martírio, como é comum ocorrer em cinebiografias.
'CAÇA ÀS BRUXAS'
O roteiro extrai o essencial dos fatos da ótima biografia publicada em 1977 pelo crítico e jornalista americano Bruce Cook e centra-se no período em que Trumbo e dezenas de colegas tornaram-se alvo da chamada "caça às bruxas", um dos episódios mais estridentes da Guerra Fria.
A face docudrama do filme apresenta de modo didático todo o processo de perseguição a artistas e intelectuais considerados simpatizantes do comunismo, as arbitrariedades e, por fim, a prisão e o banimento de nove roteiristas, entre os quais Trumbo, e de um diretor do primeiro time, Edward Dmytryk.
A outra face, muito mais vibrante, trata de como Trumbo reinventou um modo para continuar a fazer o que sabia melhor: escrever filmes. Ao longo dos anos 1950, após ter sido impedido de trabalhar para os estúdios, ele ainda conquistou a premiação máxima de Hollywood por trabalhos assinados por outros ou sob pseudônimo.
Aqui, "Trumbo" deixa de ser a cinebiografia quadradinha de sempre para se tornar um retrato ardiloso de como funciona a indústria do entretenimento, um sistema cínico e interessado demais nas plateias para ser dominado por um só credo político.
O filme não perde muito tempo erigindo uma estátua de Trumbo como herói idealista ou "vítima do sistema". Em sua lúcida e mais envolvente segunda metade, "Trumbo" faz de seu personagem um pragmático, um artista a serviço de uma indústria, o que está longe de ser uma contradição.
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