Festival de Berlim distribui ingressos e vira válvula de escape para refugiados
Próximo à Potsdamer Platz, uma das principais praças da capital alemã, onde são exibidos os filmes do Festival de Berlim, uma outra multidão se aglomera.
É o LAGeSo, o departamento berlinense de amparo social que, só em 2015, recebeu 80 mil refugiados. Nas tendas do pátio, palco de confrontos com a polícia que puseram em xeque a vocação anfitriã da cidade, dezenas de pessoas falando árabe –as mulheres usando hijab (o véu islâmico que cobre o cabelo)– aguardam para dar entrada no processo para pedir asilo político.
Vêm em sua maioria da Síria, do Iraque e do Afeganistão, diz à Folha o porta-voz do órgão, Alexander Busche. Na sexta (19), 200 pessoas haviam passado pela triagem e esperavam residir na capital do país mais rico da Europa.
A crise humanitária que se vê nas ruas migrou para dentro dos filmes desta edição da Berlinale: é o tema do favorito ao Urso de Ouro, o contundente documentário "Fuocoammare", de Gianfranco Rosi, que aborda o assunto sob a perspectiva dos habitantes de Lampedusa, ilha italiana que é rota para os que migram a partir da África.
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Cena de 'Fuocoammare', documentário de Gianfranco Rosi sobre ilha italiana que é rota de refugiados |
Nas entrevistas coletivas, o ator e produtor George Clooney foi colocado contra a parede para dizer o que tem feito pelos refugiados, o ator Daniel Brühl viu paralelos entre o nazismo e a forma como os governos europeus lidam com o assunto, e o diretor Thomas Vinterberg se disse envergonhado por ser dinamarquês.
"Como alemã me sinto responsável por ajudar e proteger aqueles que, assim como meus pais, tiveram de fugir de uma guerra horrível", diz Nicole Zeisig, relações-públicas na embaixada malaia em Berlim. Ela se voluntariou num programa idealizado pelo festival e aceitou levar três jovens irmãos sírios -Rand, Yamen e Haya- a sessões de cinema.
O filme escolhido foi o neozelandês "Born to Dance", sobre a cena do hip-hop na Nova Zelândia. "Fiquei preocupada com a escolha porque Rand e Haya usam hijab e todas as danças eram muito sexy", conta ela. Eles gostaram.
SEMELHANÇAS
Para "Alone in Berlin", drama em competição sobre um casal que desafia o regime nazista, levou Diana, arquiteta oriunda de Damasco.
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O ator catalão de origem catalã Daniel Brühl em cena do filme 'Alone in Berlin', de Vincent Perez |
A refugiada de 45 anos chorou na primeira cena, diz Nicole. "Achei que tinha errado em levar alguém que fugiu de um conflito para ver um filme sobre a Segunda Guerra." No final da trama, as duas choraram: "Ela viu semelhanças com a Síria".
A primeira escolha de filme da voluntária Anna Hartmann, 34, foi um "desastre", conta. A documentarista levou o sírio Kheir, 25, para ver o longa tunisiano "Hedi", sobre um jovem árabe em conflito com suas tradições.
O jovem achou a trama irreal: "Um muçulmano nunca trataria sua mãe desta forma", disse após uma cena em que o protagonista grita com a progenitora. Ele também ficou incomodado com as cenas de sexo: "Sei que vocês alemães são bem abertos, mas nunca assistiríamos a algo assim".
Na segunda tentativa, os dois foram ver "Fuocoammare". Assim como os retratados no documentário, o sírio Kheir também quase morreu na travessia por mar: sua família desembolsou US$ 2.000 por um lugar num barco que virou durante uma tempestade. Eles foram salvos por uma patrulha grega.
Anna olhou de soslaio para o sírio quando o barco do filme sacode nas ondas. "Ele estava segurando firme na poltrona. Senti um ligeiro tremor."
Segundo o festival, o programa envolveu 953 pessoas, incluindo voluntários e refugiados. A mostra, que termina neste domingo (21), anunciará os vencedores dos prêmios na noite de sábado (20).
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