CRÍTICA
Último da Cosac Naify, livro de Noemi Jaffe pode ser lido em qualquer ordem
Por definição, a finalidade de toda poíesis é passar do não ser ao ser. A do livro de Noemi Jaffe, pelo contrário –que, paradoxalmente, surge concluído em sua negação–, fica no limbo. E é aí que está sua radicalidade.
Ironicamente, estes inícios marcam um término. "Livro dos Começos" é o último título publicado pela Cosac Naify, editora que anunciou o encerramento das atividades no final do ano passado.
O livro traz uma série de ponderações sobre a ideia de começo, incluindo aí a ideia de adiamento, de hesitação e de experimento. Não raro os textos ensaiam o nascimento de uma narrativa –de uma primeira palavra de uma primeira frase de um primeiro parágrafo de um primeiro capítulo. Mas o romance, aquele com um enredo identificável, não se concretiza. A intenção é outra.
Felipe Gabriel/Projetor/Folhapress | ||
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A escritora Noemi Jaffe, que lançou o "Livro dos Começos" no final do ano passado |
O leitor pode decidir por onde começar a ler este "Livro dos Começos". Ele não está encadernado, mas é composto de fichas soltas que podem ser ordenadas de acordo com a vontade do freguês. Cada uma desenvolve uma noção de começo.
Primeira surpresa: as fichas se contradizem. Uma prega que começar, dar o primeiro passo, é o mais difícil de tudo. Outra, pelo contrário, diz que começar é muito fácil. Começar é triste, afirma uma delas. Outra diz que o começo é só uma ficção entre tantas, uma denominação que procura, sem sucesso, assinalar algo que na verdade é impossível de ser delimitado. Outra observa que não há diferença entre começar e não começar.
Uma brinca com a ideia de procrastinação, avisando que é melhor limpar e organizar tudo antes de começar. Outra diz que começar é ver as coisas pela primeira vez. Uma manda esquecer o começo, caso ele seja uma fonte de ansiedade. Outra ensina o melhor jeito de começar, como numa paródia de uma oficina de escrita criativa.
Camufladas, o livro traz sementes de reflexões sobre outros assuntos, em especial sobre o sentido. E também sobre a morte. E sobre o erotismo. Até sobre gatos. Apesar do tom leve, a gravidade não está de todo ausente.
Livro Dos Começos |
Noemi Jaffe |
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A brincadeira de Noemi Jaffe vai mais ou menos na linha da recusa de Rimbaud, cujo triunfo se divide, para Blanchot, "entre os poemas que ele escreveu e aqueles que ele se recusou a escrever".
Noemi Jaffe joga com as palavras com segurança. Em seu livro anterior, "Íris", as frases apontam, como raízes, para diversas direções –algumas delas inexploradas.
Todo livro de Jaffe nos faz lembrar da sentença revolvida por Giorgio Agamben em seu livro sobre o pensamento, aquela que diz que "só a palavra nos põe em contato com as coisas mudas". É algo que apenas os escritores de primeira linha conseguem fazer.
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