crítica
Sobre traição, 'Os Anarquistas' tem título que não passa de pretexto
A maior audácia vem no início: um plano fechado no rosto de Judith (Adele Exarchopoulos), no qual ela explica sua filiação ao anarquismo. Pela imagem é impossível localizá-la no tempo ou na geografia: é como se a personagem existisse em si, fora de qualquer época ou lugar.
Em seguida somos introduzidos ao duro mundo do trabalho na virada do século 19 para o 20. E é praticamente tudo que saberemos do mundo do trabalho no longa "Os Anarquistas". Ou ao menos do trabalho fabril, pois na outra ponta está a polícia e Jean Albertini (Tahar Rahim).
Albertini é o órfão e leitor de Victor Hugo que se dispõe a se infiltrar no movimento anarquista e a entregar os militantes às autoridades.
A partir de então os encantos do filme deslocam-se. "Os Anarquistas" passa a ser pouco mais que um título. Se fosse "Os Comunistas", "Os Separatistas Bascos", "Os Rebeldes Irlandeses" ou seja lá o que for, não faria diferença: o filme se dedica a narrar a infiltração de Jean, como ela se dá, o que dela decorre.
Se o mundo do trabalho se retrai, conhecemos um pouco da vida do grupo de anarquistas em questão e outro tanto da violência com que se abatia a repressão na França sobre ativistas políticos.
Divulgação | ||
Tahar Rahim e Adèle Exarchopoulos em cena de 'Os Anarquistas' |
Paralelamente (e previsivelmente), desenvolve-se uma história de amor entre Jean e Judith. O traidor e a revolucionária. Existe aí o potencial dramático para reter a atenção do espectador, embora ele seja o mesmo que denuncia a ligeireza de propósitos do filme, ao qual os anarquistas interessam como mitologia, por um lado, e como apoio à história de amor que se desenvolve ali.
Pode o espectador, desde então, submeter-se ao encanto das estrelas, Exarchopoulos (sobretudo) e Rahim, ou ao elenco muito bem dirigido.
Faltará sempre um pouco desse espírito anárquico que, em 1963, transmitia o professor de "Os Companheiros", de Mario Monicelli, a ensinar aos operários em greve como derrotar as manobras do patrão.
Talvez sejam outros os tempos, e o diretor Elie Wajeman mostre o que é possível mostrar a uma plateia contemporânea, bem mais interessada no aspecto policial (a infiltração no grupo) ou ético (a traição) do que no dado político que o título do filme sugere.
Pode ser. Mas o incompleto da empreitada é tão evidente quanto suas virtudes.
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