Lenora de Barros volta a investigar essência e estrutura da linguagem
Numa cadeira altíssima, Lenora de Barros está sentada com um pequeno esqueleto no colo. Ela vai desmembrando seus ossos e deixando cada um cair no chão lá embaixo, onde os dedos se separam das mãos e costelas viram hastes brancas amontoadas.
Em seu novo vídeo, obra central de sua mostra agora na Oficina Cultural Oswald de Andrade, a artista leva língua e linguagem ao mesmo destino.
É como se Lenora desbastasse aqui a gordura supérflua dos adjetivos para dissecar a carne da língua, sua verdadeira obsessão. Na mostra, esse músculo aparece violentado, como numa imagem da artista gritando que surge esfaqueada num vídeo, rasgado ao meio, enfiado entre as teclas de uma máquina de escrever e estendido para fora da boca sustentando uma minúscula coluna vertebral.
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Cena de vídeo de Lenora de Barros, agora em mostra na Oficina Cultural Oswald de Andrade |
Quase tudo isso, aliás, tem um som, em especial a performance em que Lenora prega as letras da palavra "silêncio" uma a uma na parede, extraindo da ideia de ausência de ruído um barulho ensurdecedor.
Essas línguas, de gritos e sussurros, vão se roçando ao longo da mostra –o som de um vídeo se mistura ao de outro criando o que a artista chama de "tecido sonoro". Mais do que algo costurado, isso tem a ver com a ideia de memória, um ruído ou imagem que desenterra ou revela suas raízes distantes no tempo.
"Nunca esses trabalhos estiveram juntos dessa forma", conta Lenora. "O som aqui vai ficando para trás e reverberando. É o desdobramento de um trabalho em outro."
Nesse ponto, faz sentido o mantra que a artista repete o tempo todo no vídeo com o esqueleto. Quando diz "isso é o osso disso", é como se escancarasse numa sequência nada linear as idas e vindas que estão na base de seu trabalho.
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Cartazes de Lenora de Barros a partir da série 'Procuro-me' |
Mesmo uma de suas obras mais célebres, a série "Procuro-me", de cartazes em que se disfarça usando perucas distintas, agora volta repaginada. "Curo-me", com a primeira parte do verbo borrada, encabeça a mesma série de retratos também rasurados, como se fossem sombras elencadas num catálogo.
Essa foi a reação de Lenora a um ataque à obra original, quando vândalos picharam os cartazes então expostos ao ar livre na rua Maria Antonia. Mas a violência, verbal ou não, nunca estancou o trabalho dessa artista –uma língua que ressurge musculosa aqui.
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