crítica
Bons atores são desperdiçados em filme com dramaturgia globalizada
Divulgação | ||
A atriz Lola Le Lann em cena de 'Doce Veneno' |
Cada país do mundo que produz filmes criou uma cinematografia com características históricas particulares. Mas existe uma parcela da produção que, a partir de um molde hollywoodiano, foi estética e dramaturgicamente globalizada.
São filmes de gênero (com destaque para a comédia de costumes) com atores locais e cenários típicos, mas com uma trama que poderia ser transportada para qualquer parte do globo, sem mudanças significativas no resultado.
Tome-se o caso de "Doce Veneno". É um filme francês, rodado na Córsega e protagonizado por Vincent Cassel e François Cluzet.
Mas poderia perfeitamente ser um filme brasileiro, rodado em Trancoso, com Reinaldo Gianecchini e Leandro Hassum. Ou um filme hollywoodiano rodado em Cancún, com Owen Wilson e Vince Vaughn. E assim por diante.
(Aliás, fazer esses exercícios de imaginação ao longo da projeção pode ser a maneira menos dolorosa de passar por essas experiências.)
Paradoxalmente, esses filmes "universais" podem fazer sucesso local, mas "viajam" pouco —porque, ao se consumir um produto inferior, a preferência é pelo "da casa" (com o conforto da língua materna) ou o hollywoodiano (ao qual estamos acostumados, ainda que a fórceps).
É difícil imaginar, por exemplo, "Se Eu Fosse Você" despertando interesse na França. Da mesma forma, não é fácil encontrar motivos para recomendar "Doce Veneno" ao público brasileiro.
Na trama, Laurent (Cassel), separado, e Antoine (Cluzet), em crise no casamento, são melhores amigos e, respectivamente, pais das adolescentes Maria (Alice Isaaz) e Louna (Lola Le Lann). Os quatro viajam para a Córsega de férias.
A princípio, o maior conflito entre os adultos é o tipo de educação das filhas. Laurent prefere deixar Maria livre para fazer suas escolhas. Antoine, mais rígido, tenta controlar de perto o comportamento da Louna.
As coisas se complicam quando Louna se apaixona por Laurent e decide seduzi-lo —ameaçando tanto a amizade dele com seu pai, quanto sua cumplicidade com Maria.
Cassel e Cluzet, bons atores, são desperdiçados em meio a uma dramaturgia rasa e uma direção burocrática, a cargo de Jean-François Richet (que foi mais feliz no policial "Inimigo Público no 1").
"Doce Veneno" é uma refilmagem de "Um Moment d'Égarement" (1977), de Claude Berri. Mas o que se vê na tela é uma imitação um tanto desajeitada de um padrão hollywoodiano.
Como se trata de uma comédia de costumes, o aspecto mais francês do filme é uma atitude "liberal" em relação ao sexo: no papel de uma garota de 17 anos, Lola Le Lann aparece em nudez frontal, algo que não aconteceria em uma produção americana.
Mas pode-se discutir se esse "liberalismo" significa modernidade ou uma exploração de um antigo e nocivo fetiche: a do homem mais velho que desperta o desejo de uma adolescente, "resiste" bravamente, mas acaba "cedendo" a seus encantos.
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