Crítica
Irônicos, cubanos criam belo retrato da nova ordem mundial
Com "Objeto Vital", o Centro Cultural Banco do Brasil dá início à temporada de mostras de arte contemporânea paralelas à 32ª Bienal de São Paulo, que será inaugurada para o público em 10 de setembro. É um bom começo.
Com curadoria de Rodolfo de Athayde, "Objeto Vital" é uma retrospectiva da dupla cubana Los Carpinteros, composta atualmente por Dagoberto Rodríguez e Marco Castillo, desde sua formação original, no início dos anos 1990, quando Alexandre Arrechea também fazia parte do grupo.
Los Carpinteros | ||
Detalhe da aquarela sobre papel 'Puente Almendrado', obra de 2008 do grupo |
Assim, a mostra tem início com os primeiros trabalhos do grupo, quando os então estudantes frequentavam o Instituto Superior de Arte de Havana. Daquele período estão obras produzidas de 1991 a 1994, quando se formam.
É de 1994, aliás, "Havana Country Club", uma pintura um tanto sarcástica, que representa um antigo ícone burguês cubano, como se percebe no título da obra entalhado em madeira na moldura. O local foi transformado parcialmente na Universidade de Artes. Essa obra resume algumas marcas que a dupla vai seguir na carreira: o trabalho com madeira, a ironia, a reflexão sobre o espaço.
O ano de 1994 ainda torna-se importante na história dos Carpinteros, pois foi quando o grupo assumiu o apelido dado por colegas da Universidade e quando eles participam da Bienal de Havana, ganhando aí repercussão internacional.
Los Carpinteros surgiu em momento de crise em Cuba, quando caiu o império soviético e a ilha perdeu o padrinho que a viabilizava de fato.
Com problemas de censura e excesso de propaganda, Los Carpinteros, em alguns casos, reflete esse temática, como em "MCEECDTM", de 2014, a cópia de um desses painéis espalhados em Havana com frases que defendem a situação do país, mas que na obra dos artistas é composta de uma sentença direta contra o sistema: "Me cago en el corazón de tu madre".
Outro exemplo é "El Pueblo se Equivoca", uma famosa frase de Fidel Castro, que se vê em uma maquete de um prédio entre modernista e fascista. Contudo, a mostra não tem um caráter anticastrista militante, seguindo, aliás, o viés lírico mais visível na obra dos Carpinteros, em maquetes e desenhos de construções impossíveis, realizadas a partir da referência a objetos reais, como instrumentos musicais, ferramentas ou piscinas.
DELÍRIO POSSÍVEL
Criadas em uma sociedade onde a utopia perdeu o sentido, essas maquetes e esses desenhos são uma espécie de delírio possível, seja a de uma ponte de amêndoas, em "Puente Almendrado" (2008), ou uma "Casa em Forma de Alicate" (2003). Esse vocabulário irreverente às vezes torna-se um pouco óbvio demais, como em "Cuarteto" (2011), na qual instrumentos musicais típicos que se derretem no chão.
Mas a obra mais impressionante da mostra é a performance "Conga Irreversible", realizada em 2012, nas ruas de Havana e vista em um vídeo: trata-se de um desfile ao som do ritmo caribenho, só que com todos os passistas caminhando para trás, as músicas tocadas de trás para frente e as vestimentas negras. Aí se vê como a arte contemporânea é capaz de criar o melhor retrato da nova ordem mundial.
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