Crítica
Nova tradução de antologias revigora musicalidade de Rûmî
É curioso saber que um dos livros de poesia mais vendidos nos Estados Unidos, nos últimos anos, seja o de um poeta místico nascido há mais de 800 anos onde fica hoje o Afeganistão.
No Brasil, acaba de ser publicado "A Flauta e a Lua: Poemas de Rûmî", livro organizado por Marco Lucchesi que é também o tradutor dos textos juntamente com Luciana Persice e Rafî Moussavî. Na verdade, trata-se de duas antologias de Rûmî que se encontravam esgotadas e que agora estão reunidas em um volume único.
Riccardo Zipoli/Divulgação | ||
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Foto de Sarakhs, no Irã, que ilustra a edição |
As traduções dos poemas foram preparadas ora a partir das versões em francês, italiano, alemão, inglês, ora a partir diretamente do texto em persa. Em ambos os conjuntos, os tradutores adaptaram os versos a ritmos tradicionais em português –como o decassílabo e a redondilha maior– na busca de instantes musicais mais familiares ao idioma: "Vinde, vinde, o jardim está em flor,/ vinde, vinde, o Amado já chegou!"
Octavio Paz estabelece a diferença entre a "palavra poética", que "não precisa da autoridade divina", e a "palavra religiosa", calcada num "mistério que, por definição, nos é alheio". A obra de Rûmî, como a de outros místicos sufis, não cabe bem nessa distinção, sendo ao mesmo tempo poética e religiosa, ao que parece, sem prejuízo a nenhuma das duas inclinações: "Já me lancei para o fogo,/ como a frágil mariposa,/ igual ao Deus de Abraão. / Não sei mais sair da chama".
UNIDADE
Em Rûmî, erotismo, poesia e misticismo se combinam, sobretudo, a partir de um tópico: o da busca pela unidade com o outro. Há uma entrega tão grande ao que lhe é alheio que podem se tornar indistintas as fronteiras entre amante e amado: "O mundo é apenas Um, venci o Dois./ Sigo a cantar e a buscar sempre o Um."
Por falar em unidade, há uma história singular contada na introdução por Lucchesi e completada, no posfácio, por Leonardo Boff.
Antes de criar esses poemas, Rûmî conhece o místico Sams de Tabrîz. Tal diálogo entre "almas" é tão radical que eles se isolam, passando a viver em "comunhão espiritual" e em "conversão mística".
Sams, porém, é assassinado e Rûmî fica "enlouquecido de amor". É a partir daí que o mestre sufi compõe esses poemas e introduz a dança dos dervixes como forma de alcançar o "Amado", personagem desdobrado em figura divina.
Nessa via, o erotismo místico coloca os versos de Rûmî sob o signo do êxtase: "Sou livre quando estou fora de mim", diz ele. E tal experiência não indica necessariamente descontrole, mas, sim, desprendimento e mudança.
Isso aparece na fluidez das imagens que –nos melhores momentos da tradução– também é fluidez de ritmo: "Os corvos fugiram. Ah! Vem, luz dos meus olhos,/ vamos sair de nós, como o lírio e a rosa,/ como água límpida, passando entre jardins."
Por fim, vale questionar o tratamento gráfico dado aos poemas. O livro usa certa fonte cujas letras têm um tipo adornado de itálico. Isso se torna um incômodo, pois esse itálico foi aplicado integralmente nos poemas. Tamanha poluição gráfica parece ser incompatível com a despojada poesia de Rûmî.
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