Crítica
Susana Vieira interpreta uma Shirley diferente, mas divertida
Valentino Mello/Divulgação | ||
Susana Vieira em cena da peça "Uma Shirley Qualquer" |
É como ver uma daquelas comédias da primeira metade do século 20, do Brasil. É um espetáculo concentrado na atriz famosa, em sua comunicação direta com o público, sua identificação com ele.
A cumplicidade atravessa toda a apresentação, às vezes como comentários sobre a própria peça. Também não param as dificuldades com a memorização do texto e os cacos incorporados (ou criados) para efeito cômico. E a proximidade com a plateia vem da personagem de perfil popular.
Tem tudo isso e mais em "Uma Shirley Qualquer", com Susana Vieira, adaptação e direção de Miguel Falabella para o monólogo cômico de sucesso na Broadway e no West End londrino em fins dos anos 1980, início dos 90, "Shirley Valentine", levada depois a Hollywood.
Apesar da mudança no título, a trama se afasta pouco do original. Algumas piadas são mais sarcásticas, à maneira de Falabella, mas "Shirley Valentine" já era popularesca.
É uma mulher de meia-idade em Liverpool, cidade inglesa trabalhadora, que se vê solitária em casa, falando com a parede, com dois filhos crescidos e um marido que reclama da comida que ela faz. Ela acaba por dar um grito de independência e parte para a Grécia com uma amiga.
O autor Willy Russell questionava levemente os valores comportamentais da classe trabalhadora, com traços quase políticos e algum feminismo, mas nada ofensivo ao público que encheu os teatros na época para rir, tão somente.
Segundo Frank Rich, então crítico do "New York Times", "é feminismo estilo West End: pretende estimular e talvez até chocar espectadores de matinê com um nível moderado de ousadia ideológica".
A Shirley de Falabella e Susana nem chega a tanto. É mais próxima do público que vai ao Renaissance e não tem questionamentos ideológicos ou de classe. Simboliza agora menos uma libertação do marido e dos filhos e mais uma fantasia de renascimento na terceira idade, de retomada da liberdade e dos sonhos de juventude, da possibilidade de voltar a amar.
Combina com Susana, de personalidade diversa da autenticidade "working-class" de Pauline Collins, festejada nos palcos de Londres e Nova York e depois no cinema.
"Uma Shirley Qualquer" tem a presença forte de palco da atriz brasileira, já conhecida de outra peça de Falabella, "A Partilha", de 1990, mas acrescida agora de uma adoração que seu público, marcadamente feminino e de idade mais elevada, manifesta ao longo da apresentação lotada.
Não se trata da Susana supostamente controversa, agressiva, da cobertura de celebridades, pelo contrário: ela se apresenta convidativa, familiarmente engraçada e até algo frágil, a ponto de trocar nomes e tropeçar, quase cair e rir de si mesma.
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