Crítica
Medíocre, 'Charlotte' não faz jus à vida que tenta narrar
CHARLOTTE (ruim)
QUANDO: R$ 44,90 (240 págs.)
AUTOR: David Foenkinos
TRADUÇÃO: Maria Alice A. de Samppaio Doria
EDITORA: Record
Charlotte Salomon nasceu em Berlim em 1917. Morreu em 1943, grávida de cinco meses, em Auschwitz. Engana-se quem pensa que o desfecho carrega, sozinho, boa parte da carga dramática dessa história. A vida da artista plástica não foi nada fácil.
É essa vida que o francês David Foenkinos tenta romancear em "Charlotte".
Foenkinos empilha sentenças banais como se fossem versos, simulando a estrutura de um enorme poema – formato que, antes de interessante, parece só gratuito. Todas as escolhas apontam para uma saída fácil. É notável a aversão do autor à pesquisa e à análise, algo que um bom trabalho com a linguagem poderia tornar menos evidente.
O resultado é de uma mediocridade chocante. Apela continuamente para clichês, e o tom apalermado é incompatível com o enredo.
Foenkinos serviu-se de uma história rica –e infinitamente triste– e a tornou opaca a ponto de dificultar sua classificação. "Charlotte" não é uma biografia, mas tampouco romance. Isso não se deve ao formato, mas à completa indigência da narrativa.
Não é impossível escrever sobre uma vítima do Holocausto, ainda que a tarefa envolva enorme risco –sobretudo quando a pessoa legou algum testemunho, como foi o caso de Charlotte Salomon.
Em "Leben? Oder Theater?" (vida? ou teatro?), a artista compôs uma autobiografia em texto e ilustrações que foi a principal fonte de Foenkinos. Qual o sentido de reescrever, de forma tão canhestra, o que ela havia escrito?
Antonio Muñoz Molina contornou esse e outros dilemas em "Sefarad", romance que tem o próprio Primo Levi entre os personagens.
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Alguns autores se saíram relativamente bem mesmo ao elaborar o horrendo ponto de vista dos nazistas. É o caso do razoável "A Zona de Interesse", de Martin Amis. E, em parte, dos ótimos "Hammerstein ou a Obstinação", de H. M. Enzensberger, e de "HHhH", de Laurent Binet, compatriota de Foenkinos. Livros difíceis de realizar, mas que alcançam status de arte.
"Charlotte" não chega nem perto disso; faz parte da literatura caça-níquel sobre a Segunda Guerra Mundial: rasa, sensacionalista, irresponsável, feita sob medida para se tornar um sucesso de vendas. Inacreditavelmente, venceu dois prêmios: o Goncourt des Lycéens e o Renaudot. E isso ser ser nada além de uma afronta ética e estética.
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