CRÍTICA
Sem sangue e com urina, ações mais sutis se destacam em festival
O cheiro de sangue queimado. Talvez seja a lembrança mais viva, mas não mais relevante, da última edição do Verbo, festival de performances que lotou a galeria Vermelho na semana passada.
De terno, artistas do Grupo Empreza furaram uma veia do braço e deram um aperto de mão sobre uma pedra em brasa, o sangue escorrendo dos dois para ferver ali diante da plateia. Dias antes, integrantes do mesmo coletivo haviam tirado mais sangue e pintado uma parede do pátio da galeria, abstração que com o tempo passou de vermelho vivo a um marrom esmaecido.
Mesmo viscerais e chocantes, essas ações foram a exceção numa edição mais cerebral e coreografada do festival, um dos mais fortes do gênero.
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Performance da artista Julha Franz no festival Verbo, na galeria Vermelho |
Houve uma preocupação com o espetáculo -Julha Franz, uma garota nua coberta de tachinhas tal qual um porco-espinho, Guilherme Peters, que escreveu sobre o golpe de 1964 numa lousa enquanto amarrado a um monte de toras, e a dança quase contorcionista de Jorge Lopes em torno de um vaso de terra.
Mas as ações mais lentas e sutis venceram a queda de braço com o poder do espanto. Lado a lado, formando um paredão em frente à galeria, um time de mulheres arregimentado pela artista Dora Smék bloqueava a entrada. Pareciam não fazer nada ao longo de horas, até que poças de urina iam se formando a seus pés -um retrato desconfortável do medo diante do pelotão de fuzilamento que se tornou o dia a dia do país.
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Performance do Grupo Empreza, no festival Verbo, na galeria Vermelho |
Na mesma linha, Cristian Duarte convocou atores que gargalhavam em silêncio em meio ao público. Vistos de longe, no burburinho da noite, não chamavam a atenção. Mas logo ficava claro que riam em falso, do nada, denunciando nossa tragicomédia atual e talvez apontando um dedo para como a arte encastelada numa galeria pouco muda um quadro de barbárie que teve seus episódios mais marcantes na avenida Paulista ali fora.
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Performance de Guilherme Peters, no festival Verbo, na galeria Vermelho |
Evocando o tom de uma palestra motivacional, Luanda Casella fez uma das performances mais fortes da Verbo, em sintonia com a sensação de desencanto que paira sobre tudo. Vestida como uma executiva, ela fez uma análise do discurso que bomba nas redes sociais, as tais pós-verdades, e como tudo parece ser moldado pelo mesmo talento nato para a mentira.
Também lembrando uma aula, a ação de Marius Schaffter foi uma longa e detalhada análise de estranhos objetos que construiu, usando banquetas capengas como metáfora de amores e relacionamentos em decomposição.
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Performance de Jorge Lopes, no festival Verbo, na galeria Vermelho |
Outras formas de amor e sexo surgiram nas performances de Arnold Pasquier e Clarissa Sacchelli. Enquanto a primeira se deu como peça de teatro em que dois casais se formam e separam diante de uma projeção do Minhocão, a segunda, encerrando o festival, escala duas garotas que vão se despindo a cada repetição de um ciclo de gestos, do primeiro encanto ao orgasmo, numa simplicidade em contraste pedregoso com a vida real.
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