Aguinaldo José Gonçalves faz jornada poética entre ver e não ver
Marcus Leoni/Folhapress | ||
Aguinaldo José Gonçalves no lançamento do livro 'Nove Degraus para o Esquecimento' |
NOVE DEGRAUS PARA O ESQUECIMENTO (muito bom)
AUTOR Aguinaldo José Gonçalves
EDITORA Ateliê Editorial
QUANTO R$ 78 (144 págs.)
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No conto "O Espelho", de Guimarães Rosa, um narrador, depois de muito buscar sua verdadeira imagem no espelho, começa a ver um esboço de figura, uns traços, uma quase luz. Aguinaldo Gonçalves, que tanto deu a ver a tantas pessoas - ensinando literatura há mais de 40 anos –sofre agora de uma doença ocular, no momento em que lança seu mais novo livro "Nove Degraus para o Esquecimento".
E é aqui que o lemos –em chave claramente autobiográfica, reconhecendo-se e ao mundo como se pela primeira vez. Vendo, com sua pouca visão, as coisas sumindo e nascendo: "O esboço do rosto, o inacabado, a ranhura da orelha (...)/ as feições do vir-a-ser."
Vamos gradualmente, ao longo dos 51 poemas deste livro e das imagens que vão se desfazendo aos nossos olhos, também tateando o passado e o futuro, num mundo em que a poesia é a chave dos tamanhos, a chave para entrar em qualquer lugar. Sem abdicar de uma visão terrível do real, essa poesia como que propõe um tempo novo, possível, em que quase-ver seja a melhor parte de cada um: "dessa goma de mascar tão inda e vinda na fina marca da saída/ para o indesejável porvir que é a morte finda/ e para o eterno deseja da vida-ainda".
Aguinaldo vem de Buritama, no interior fundo de São Paulo e, por mais que tenha vivido em São Paulo durante muitos anos e venha atuando como professor universitário em São José do Rio Preto também há décadas, Buritama está sempre ali, na terra e nos fiapos de algodão, no bule azul, nos gravetos e na estopa.
Mas o que encanta é ler a estopa fixada em Matisse, o graveto em Rimbaud e constatar que sua poesia é combinação inesperada de signos: um trem que vem de lá, da raiz de São Paulo, mas que faz parada na Paris do século 19 para chegar na cidade: "pela identidade me desfaço/ olho pelas frestas e me vasculho/ mas o estar aqui - estando ali/ finca estaca. E eu fico assim. Quase absoluto". Ou, como diz outro poema, "terra e fiapos de algodão, tudo com bisturi de cirurgião."
Nove Degraus para o Esquecimento |
Aguinaldo José Gonçalves |
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Acompanhando os poemas, um grupo de pinturas também segue um caminho de dissolução, em que as imagens, como as palavras, vão perdendo contornos fixos e, com isso, ganhando densidade.
Trata-se mesmo de uma jornada entre ver e não ver, em que não ver, ou ver mal, muitas vezes pode ser mais iluminador do que a nitidez. São nove degraus para o esquecimento, em que a memória vai se diluindo, esfumaçando, até atingir, quem sabe, um décimo degrau, onde se chega finalmente à palavra final, a maior entre todas: o silêncio.
NOEMI JAFFE é crítica literária e autora de "Não Está Mais Aqui Quem Falou" (Companhia das Letras).
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