Conhecido por representar figuras com traços andróginos e transgressores, Ismael Nery (1900-34) tem obras expostas no MAM-SP, desde a última terça (8).
Na exposição “Ismael Nery: Feminino e Masculino”, as 210 obras selecionadas pelo curador Paulo Sergio Duarte estão divididas em temas —nus, retratos e autorretratos, danças, cenários e surrealismo.
Nery morreu precocemente —foi vítima de tuberculose aos 33 anos. Duarte diz que, mesmo jovem, o artista passou por todos os movimentos contemporâneos da época —como cubismo, surrealismo e expressionismo.
Segundo o curador, o artista explorava o erotismo em suas pinturas, e seus triângulos amorosos explicitamente sexuais demonstram a “contradição entre a ética e moral católica e a prática artística”.
Além disso, na visão de Duarte, Nery provocava a sociedade de seu tempo. E cita o exemplo de tela em que retrata uma mulher branca se relacionando com um negro. “Se hoje isso choca certas pessoas, imagina naquela época”, diz.
O curador destaca uma curiosidade biográfica. Ele conta que Nery costumava jogar fora suas obras após terminá-las. Era o poeta Murilo Mendes (1901-1975), amigo do artista, quem as conservava.
Duarte acredita que o longo período, 18 anos, em que Ismael Nery não teve uma exposição desse porte fez com que toda uma geração de jovens artistas e professores não tivessem contato com sua obra.
Por isso, a mostra não é dedicada a especialistas.
Professor-pesquisador da Universidade Candido Mendes e da Escola de Artes Visuais, ambas no Rio de Janeiro, ele diz que escolheu essa linha curatorial didática porque “falta educação no país”.
“Reina a ignorância no Brasil. Eu dou aula desde 1978 e vejo o declínio da qualidade dos alunos ano a ano. Ao invés de melhorar, eles pioram, hoje os alunos não têm nem o domínio da língua portuguesa”, diz o curador.
O curador calcula que, entre as peças que estarão disponíveis ao público até agosto, apenas 50 provenham de instituições; o restante foi emprestado por coleções particulares.
“Isso é uma tendência, e é quase uma tradição brasileira. As instituições não têm recursos para adquirir essas obras”, diz.
Em uma parede detrás dos painéis principais da exposição, estão quatro obras. A reserva se deve ao fato de que retratam cenas sexuais e, por isso, não são recomendadas para menores de 12 anos.
O MAM-SP, seguindo orientação de seu departamento jurídico, adotou os avisos após um incidente no ano passado.
Em setembro, o museu foi alvo uma onda de protestos, após a divulgação de um vídeo feito no local, no qual uma criança interagia com o artista Wagner Schwartz, nu em sua performance “La Bête”.
Apesar de ter acatado a orientação, Duarte afirma achar “tudo isso uma regressão terrível no Brasil”.
“Os jovens hoje em dia têm acesso à internet e podem ver na internet coisas muito piores”, diz Duarte, que considera atitudes como esta “um retorno à censura.”
Ismael Nery: Feminino e Masculino
MAM, av. Pedro Álvares Cabral, s/n, (11) 5085-1300; de ter. a dom., das 10h às 17h30. Até 9/8. R$ 7.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.