Ricardo Aleixo é um dos grandes nomes da poesia brasileira contemporânea, esse é um ponto inquestionável hoje; figura fundamental de uma geração heterogênea que começou a publicar seus livros no começo dos anos 1990, ele é talvez o que mais se destaca pelo experimentalismo constante e pela versatilidade sem medo, que vai do poema em prosa ao visual, passando pelo ensaio e a performance.
Ele já fez de quase tudo: escreveu, cantou, performou dentro e fora do país com o poemanto (uma espécie de parangolé-exu, vestimenta metamorfose em poema), num trabalho de crescente consciência do corpo como artefato poético —assunto do poema "O Poemanto: Ensaio para Escrever (com) o Corpo".
Mas só agora, 26 anos depois do lançamento de "Festim" (1992), seu primeiro livro, o poeta publica uma antologia; num lugar de destaque, diga-se de passagem, já que é o primeiro livro de poemas da jovem editora Todavia.
"Pesado Demais para a Ventania" —título tirado do poema "Inferno", que começa com os versos "sob um/ silêncio pesado/ demais para/ a ventania"— é ao mesmo tempo gesto discreto (silêncio pesado) e forte afirmação (a linguagem poética é peso contra a ventania) de sua trajetória.
Talvez por isso, em vez de uma antologia mais tradicional (cronológica), Aleixo opta por seguir a antologia pessoal de Drummond e reorganiza os poemas por eixos temáticos de seu percurso poético.
O livro é assim dividido em seis partes, que mostram as obsessões do poeta.
1. "Desde e para Sempre" retoma as origens familiares e religiosas, entre orikis e memórias dos pais, caso do belo poema "Íris", dedicado à mãe.
2. "Outros, o Mesmo" discute questões de identidade sem cair em estereótipos; ali se lê, por exemplo, "Rosto" e "Conheço Vocês pelo Cheiro".
3. "Ter Escrito Ainda Não Existe" reúne a metapoesia de Aleixo, e nela vemos como é mais importante o porquê do escrever, em sua dimensão ética e política, do que o desejo de pura beleza, e no poema "Poética" faz-se o lema: "construir sobre ruínas".
4. "O Coração, Meu Limite" reúne os afetos, sobretudo amorosos, em cenas diversas que revelam a dificuldade de estabelecer limites claros na relação a dois, como é o caso do sexo em "Grau Zero".
5. "Multidão Nenhuma" registra a experiência urbana, entre Belo Horizonte, Brasília e outras cidades, num espírito contraditório de amor às ruas e negação do que vêm se tornando as metrópoles.
6. "Queridos Dias Difíceis" se concentra em experiências contemporâneas, formando um quadro fragmentário do presente, entremeado de dores e rasgos de alegria.
A seleção é ainda cercada pelos poemas "Língua Lengua" e "Meu Megro", duas peças fortes em torno da negritude do poeta, que ele ao mesmo tempo afirma e recusa como pura identidade; assim, se a língua que fala é o "pretoguês", ele nos lembra que "O negro é uma invenção do branco", para então terminar o livro com "Eu Não Sou Apenas o que Você Pensa que Eu Sou." Aleixo dá a letra: a vida é muito mais.
Guilherme Gontijo Flores
Professor de língua e literatura latinas na UFPR e tradutor
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.