Descrição de chapéu

Nelson da Rabeca e Thomas Rohrer se unem entre a melodia e a aspereza

União de gerações distintas e parcerias de Nelson e a mulher, Benedita, geram álbum comovente

Luiz Fernando Vianna
Rio de Janeiro

Tradição Improvisada

  • Quando Lançamento no Sesc: em Santos, em 22/6, com bate-papo (18h) e show (21h); em Sorocaba, em 23/6, com bate-papo (17h30) e show (20h); no Belenzinho, em 24/6, às 18h. Mais informações em sescsp.org.br
  • Onde Disponível em CD (R$ 20) e em streaming
  • Autor Nelson da Rabeca e Thomas Rohrer
  • Gravadora Selo Sesc

Das 23 faixas do CD "Tradição Improvisada", três são pequenas falas de Nelson dos Santos, o Nelson da Rabeca. Na terceira, ele diz: "A gente nunca tá aprendido pra tocar".

O músico alagoano de 89 anos ensina, com suas palavras, que não se deve parar de aprender e de mudar.

Essa convicção está por trás de sua parceria com Thomas Rohrer, suíço de 50 anos, radicado no Brasil desde 1995 e que conheceu Nelson em 2000. "Tradição Improvisada" é resultado de longa convivência entre dois artistas de gerações e formações diferentes.

O lançamento do trabalho ocorre com shows em unidades do Sesc: Santos (nesta sexta, 22), Sorocaba (23) e Belenzinho (24), na capital paulista.

Quando se ouve Nelson da Rabeca tocar, é impossível dissociar seu talento de sua biografia. Ele diz ter desejado se tornar músico aos 54 anos, quando viu um violino na TV.

Cortador de cana até então, passou a fabricar e tocar rabecas. O instrumento ancestral do violino, restrito na Europa a conjuntos de música medieval, continua vivo em diversas regiões do Brasil.

Sem ter tido mestres na família ou fora dela, Nelson produz um som carregado de atavismos. As referências árabes e ibéricas da cultura nordestina saltam do passado remoto para o presente.

Isso fica mais claro, naturalmente, quando se ouve a rabeca de Nelson separada da de Rohrer. Poderia se dizer que é o som bruto do atavismo. Mas o adjetivo é enganoso. Embora áspero, como qualquer som extraído de rabecas, ele resulta delicado e de incrível riqueza melódica.

Ainda mais comoventes são os duos de Nelson com sua mulher, Benedita da Silva. Em três faixas, ela interpreta letras próprias. São, em geral, imagens tristes, mas entoadas com muita força. A voz fanhosa evoca beatas, carpideiras, cantadores de feira.

Os títulos "Quem Tiver Dormindo Acorde" e "Pense Meu Filho" já sugerem a tristeza e a beleza do que se ouve. E a rabeca de Nelson não é exatamente acompanhante da voz de Benedita. Elas parecem se fundir, como massa cultural que não pode se dissolver.

Os duos com Rohrer apresentam um jogo de contrapontos, com os instrumentos conversando, complementares. "Segredo das Árvores" é especialmente bonito.

Por vezes, a percussão de Antonio Panda Gianfratti funciona como terceira voz, discreta, mas marcante. O outro músico do projeto é Célio Barros, na trompa e no rabecão —espécie de contrabaixo. E Rohrer também toca sax soprano.

Em "Saudade da Rabeca", "Improviso" e "Deodoro", todos eles estão em atividade, e são muitas as distorções sonoras.

É Nelson provando que "nunca tá aprendido pra trocar". E Rohrer exercitando sua maneira de pensar e fazer música. Ele integra o coletivo de improvisação Abaetetuba e participa de performances, instalações e espetáculos de artes cênicas.

"Desagradáveis", no sentido de pouco melódicas, tais faixas experimentais contrastam muito com os momentos em que se pode ouvir claramente a rabeca de Nelson.

O artista nasceu em Joaquim Gomes, cresceu e vive em Marechal Deodoro. Na frente de casa há uma estátua sua. É uma das várias homenagens que já recebeu. O veterano não para de fabricar rabecas, de compor canções e, pelo que se vê da parceria com Rohrer, de se transformar.


Tradição Improvisada ​

Lançamento no Sesc: em Santos, em 22/6, com bate-papo (18h) e show (21h); em Sorocaba, em 23/6, com bate-papo (17h30) e show (20h); no Belenzinho, em 24/6, às 18h. Mais informações em sescsp.org.br

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