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Artes Cênicas

Em boa metáfora, 'Nina' questiona potencial criativo e destrutivo das utopias

Espetáculo do dramaturgo romeno Matéi Visniec cria uma sequência de 'A Gaivota', obra-prima de Anton Tchékhov

Amilton de Azevedo

Nina ou da Fragilidade das Gaivotas Empalhadas

  • Quando Ter. a qui., às às 21h. Até 27/9
  • Onde Centro Cultural São Paulo - espaço Ademar Guerra, r. Vergueiro, 1.000
  • Preço R$ 20
  • Classificação 14 anos

Na cena final de "A Gaivota", de Anton Tchékhov, Treplev se suicida com um tiro, fora de cena. Antes de dizer a Trigorin o que aconteceu, Dorn afirma que um "frasco de éter" estourou em sua mala.

Considerando o potencial simbólico do texto tchekhoviano, parece não haver melhor maneira de explicitar o derradeiro ato de angústia do escritor frente ao confronto de suas utopias com a realidade.

Em "Nina ou da Fragilidade das Gaivotas Empalhadas", o dramaturgo romeno Matéi Visniec propõe o suicídio como mais um insucesso do jovem Treplev. Quinze anos se passaram desde esse momento; ele agora vive sozinho, sem criados, na casa de sua mãe.

Subitamente, Nina reaparece, fugindo da vida comezinha. Ela segue atriz, mas sem grande destaque; e já não suporta Trigorin, com quem permanece casada. Pouco depois, ele aparece a sua procura.

O procedimento central de Visniec é inserir esse triângulo amoroso em 1917, na Revolução Russa. Diferentemente de Tchékhov, que vivia na época em que suas histórias aconteciam, o romeno, 62, situa os personagens à distância: tendo ele próprio vivido sob a égide de uma ditadura, a de Nicolau Ceausescu, sua visão acerca do processo revolucionário e suas consequências futuras permeia a obra.

A encenação de Denise Weinberg propõe um diálogo interessante com a dramaturgia. Ela joga com a relação das personagens e sutilmente se aproveita da sugestão de Trigorin acerca da linguagem artística que lhe soa mais revolucionária: o dadaísmo.

A interpretação realista, presente na maioria dos diálogos, é suspensa e posta em xeque diversas vezes pelas ações dos atores. Para além do trabalho dramático, a direção de Weinberg explicita simbolicamente o estado interior das personagens.

O elenco se equilibra, tendo em Dinah Feldman a maior agitação. Sua Nina transita entre o deslumbramento e a lucidez; é dela que partem as metáforas mais preciosas. Edu Guimarães faz a angústia de Treplev pulsar, enquanto Francisco Brêtas surge como um Trigorin austero —ainda que por vezes bonachão.

Em cena também está Gregory Slivar, responsável pela concepção musical. Embora a encenação proponha imagens muito bem elaboradas a partir da luz, do espaço cênico e da movimentação, são as paisagens sonoras que sustentam e potencializam "Nina". Suas construções sugerem distintas atmosferas. Uma das matérias essenciais do espetáculo é o tempo, e sonoridade parece assumir sua condução.

Sobrepostos o tempo histórico e o do indivíduo, as personagens redescobrem seus afetos e anseios enquanto uma nova ordem eclode do lado de fora. Entre se tornar artigo de museu ou fantasma de uma revolução, "Nina" questiona o potencial criativo e destrutivo das utopias.

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