Descrição de chapéu

Jamie Oliver prova que astros não são bons donos de restaurante

Cozinheiro inglês pode continuar avançando em seus negócios naquilo que sabe fazer

O chef britânico Jamie Oliver, que teve que injetar 12,7 milhões de libras para salvar sua cadeia de restaurantes da falência  - Axel Heimken/Dpa/AFP
Josimar Melo

"Nosso dinheiro simplesmente acabou", anunciou o simpático e midiático cozinheiro inglês Jamie Oliver, no mês passado, em entrevista ao jornal inglês de economia Financial Times. Algo para apavorar seus milhões de fãs.

O Jamie Oliver sedutor (pela simplicidade), apresentador de TV, o patrono de tantas boas causas (como a da merenda escolar saudável), simplesmente quebrou?

Bem, destacar a declaração em um título é um exagero para um jornal inglês de prestígio, ainda que famoso porta-voz do tal "mercado" do capitalismo mundial. Pois os fãs podem ficar tranquilos: o garoto Jamie Oliver está longe da condição de falido.

O que aconteceu então? Quem quebrou foi um dos ramos do jovem império Oliver —os restaurantes. Mais particularmente, a rede Jamie's Italian, que só no Brasil tem três filiais, na capital paulistana, em Campinas (SP) e em Curitiba.

Segundo o jornal, no ano passado, ele teve que injetar 12,7 milhões de libras para salvar a cadeia da falência. 

Isso é um dinheirão. Mas não chega a 10% da fortuna do astro, estimada em 150 milhões de libras. Que são fruto de outras atividades, não de restaurantes. Com programas de TV e livros, ele segue aumentando sua fortuna; ao contrário do que acontece com seu papel de restaurateur.

Abrir e gerir restaurantes é um negócio complicado e nem sempre ao alcance de talentos que podem ser muito bem sucedidos em outros terrenos. Caso, creio eu, de Jamie Oliver.

Hoje com 43 anos, ele começou na carreira lavando pratos e despontou para o sucesso não como chef, e sim como apresentador de TV. Sua popularidade começou a bombar quando estreou como apresentador do programa "The Naked Chef", em 1999.

Ele combinava dois elementos muito positivos: ser "gente como a gente", simples e simpático, o que estimulava pessoas até desajeitadas a se aventurarem na cozinha, e mensagens progressistas a favor do alimento simples e saudável, contra a daninha ganância da indústria.

Mas será que um astro de TV, que ensina maravilhosamente uma cozinha relaxada e descomplicada, será necessariamente um grande chef profissional ou um competente empresário de restaurantes?

Muitos exemplos apontam na direção oposta. Grandes chefs conseguem se aventurar na área de comunicação da TV. Já grandes comunicadores, com indiscutíveis talentos de entertainers, quase nunca são bons donos de restaurante.

Como exemplo, só para ficar na terra de Oliver, temos o frenético Gordon Ramsay, que é um chef estupendo, um empresário de restaurantes ultra bem sucedido, e que se deu bem com o personagem histérico que representa (e encanta milhões) no vídeo.

Mas imagine, no mesmo solo britânico, se a sedutora Nigella Lawson resolvesse, em paralelo com seus programas de food porn, abrir restaurantes: eu não apostaria um shilling inglês. Porque os talentos que cada atividade requer não são necessariamente os mesmos para cada uma delas.

Nos Estados Unidos, não faltam exemplos semelhantes. Chefs de sucesso (ou mesmo nem tanto) frequentemente funcionam bem na TV —caso de David Chang (dos vários restaurantes Momofuku). Mas apresentadores de sucesso —Guy Fieri, Giada de Laurentiis, sem falar de Anthony Bourdain—, quando abrem restaurantes, costumam ter patéticos resultados.

E, no Brasil, entre os astros de TV, basta lembrar que o carismático Claude Troisgros é antes de mais nada um chef de talento e de sucesso, como também Felipe Bronze. Já a charmosa apresentadora Rita Lobo fracassou quando tentou abrir um restaurante.

O primeiro restaurante de Jamie Oliver, o Fifteen, era voltado para a formação e a inserção profissional de jovens carentes. Ainda procura cumprir esse papel —e a verdade é que a clientela é solidária à proposta e releva problemas na gastronomia da casa.

Mas esta é pequena diante da loucura expansionista que Oliver imprimiu à rede Jamie's Italian. O primeiro nasceu em 2008, em Oxford —e se expandiu para 43 restaurantes (à beira da falência) em 2016. Agora, 12 foram fechados, fora 600 empregados desamparados na rua.

No início, o restaurante selecionava ingredientes saudáveis e produtos orgânicos básicos, como leite, manteiga e azeite de oliva. Com isso, se mantinha fiel à pregação que o chef propagava em vários meios.

O gigantismo da rede, porém, começou a colocar em xeque sua capacidade de convencer o público de seu programa —e de entregar, com consistência, uma gastronomia de qualidade. Os clientes não parecem convencidos, o que não abala diretamente os segmentos bem sucedidos do império Oliver.

Segundo a reportagem do Financial Times, a empresa de Oliver teve um lucro de 5,4 milhões de libras somente com mídia e livros e outros 7,3 milhões advindos de licenciamentos e propagandas, em 2017.

Oliver pode continuar avançando em seus negócios naquilo que sabe fazer, afastando o lado em que não parece ter competência. Cada macaco no seu galho.

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