Exposição em Paris mostra pai do estilo art nouveau para além do rococó

Tcheco Alfons Mucha ganhou notoriedade ao desenhar pôsteres das peças de Sarah Bernhardt

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'As Estações - O Verão', parte de série de quatro painéis decorativos de Mucha Fundação Mucha/Divulgação

Lucas Neves
Paris

Pintor, escultor, gravurista e figurinista, o tcheco Alfons Mucha (pronuncia-se Murra; 1860-1939) fez seu nome como uma das figuras tutelares do movimento art nouveau, na Paris do fim do século 19.

Seus cartazes, grandes painéis e até embalagens estampados com representações de mulheres cujos cabelos e vestes parecem se fundir a motivos ornamentais, sob uma paleta de tons pastel, são algumas das traduções visuais mais consagradas do clima da belle époque —hedonismo autoindulgente temperado por euforia com a vida citadina e sua ideia de progresso.

Uma exposição recém-inaugurada no Museu do Luxemburgo, em Paris, busca descortinar máscaras menos frívolas do artista, que também atuou como fotógrafo, cenógrafo e professor. São ao todo 195 trabalhos.

Lá estão, como não poderia faltar, os cartazes que ele desenhou para espetáculos protagonizados por Sarah Bernhardt, a grande estrela da época, que o projetou para o “grand monde” parisiense e além a partir de 1895, com encomendas de peças de divulgação para “Hamlet”, “Medeia” e “A Dama das Camélias”, entre outros. Em vários deles, o tcheco assinaria também os cenários e os figurinos.

Também estão à mostra trabalhos de vocação francamente comercial, como gravuras feitas sob encomenda para embalagens, rótulos e frascos de biscoitos, filtros de cigarro, champanhes, sabonetes e lança-perfumes.

Para o artista, era a chance de levar suas criações para fora dos salões burgueses, ao encontro do povo, e de sedimentar os pilares de um “estilo Mucha”, copiado (e degenerado) à exaustão nas décadas posteriores: acenos a iconografias estrangeiras (islâmica, greco-romana, celta, nipônica), mas também ao gosto dos artesãos de sua terra natal por padrões florais e às sinuosidades das igrejas barrocas de lá.

Mas, aos poucos, a frivolidade desse tipo de trabalho começa a incomodar o tcheco, que, segundo escreve a curadora Tomoko Sato no catálogo da exposição, diz não ter encontrado “real satisfação” na arte decorativa. “Meu caminho parecia estar em outro lugar, em algo de mais elevado. Buscava meios de fazer a luz chegar até os lugares mais escondidos”, cita ela.

A crise marca uma inflexão na produção de Mucha, que ganha acentos místicos, especulações sobre forças e poderes invisíveis sem dúvida influenciados por sua amizade com o dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912), grande diletante do ocultismo.

Suas telas são então colonizadas por uma legião de espectros, figuras noturnas, visões, enveredando pelo simbolismo. O que não quer dizer que os corpos sejam engolidos pela escuridão: a sensualidade da mulher, sua materialidade, vem formar um díptico com os elementos mais etéreos e abstratos da composição.

A mostra apresenta ainda a faceta patriótica de Mucha (“a missão da arte é a de expressar os valores estéticos de cada nação segundo a beleza de sua alma”, disse certa vez). O pintor nasceu no auge de um “revival” do nacionalismo tcheco, resposta a séculos de dominação dos Habsburgo (Império Austro-Húngaro). “Havia esforços por todo lado para reabilitar a língua tcheca, a cultura e a identidade locais, erradicados sob a dinastia, e recuperar a independência política”, afirma a curadora Sato.

Esse ímpeto vai desaguar no “magnum opus” do artista, uma série de 20 pinturas monumentais conhecida como “A Epopeia Eslava”, em que ele revisita episódios marcantes da história tcheca e da dos outros povos eslavos, buscando fixar uma ideia de comunidade, irmandade entre povos. A ela dedicará seus 30 anos finais de vida.

Por causa das dimensões dos originais, só há estudos e reproduções digitais no museu parisiense.
“Até algum tempo depois da Guerra Fria, essa série era vista como pintura histórica datada”, explica Sato. 

“Também era considerada ‘irrelevante’ após a criação da Tchecoslováquia em 1918 [dissolvida em 1993].Mas historiadores da arte têm conseguido mudar essa percepção. O fato de a exibição da ‘Epopeia’ integrar neste ano as comemorações do centenário da independência da Tchecoslováquia atesta um reconhecimento crescente dos feitos de Mucha.”

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