Descrição de chapéu

O frescor do poeta Paulo Bomfim impressionava

Verdadeiramente imortal, alcançou a eternidade, uma questão de garra ou de graça, como escreveu

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O escritor Paulo Bomfim, em retrato de 2013 - Zanone Fraissat/Folhapress
 
 
Betty Milan

Com Paulo Bomfim, eu estive uma única vez. Bastou, no entanto, para considerar que éramos amigos. A dedicatória de um dos livros que ele me deu confirma isso: “Fraternal lembrança de seu novo amigo”.

Fui convidada para o almoço na casa dele e não houve tema que não tenha sido abordado. Falamos sobretudo dos modernistas e dos nossos autores franceses preferidos. 

A pedido do anfitrião, contei como se deu o meu encontro com alguns escritores entrevistados para a Folha. 

Françoise Sagan, que me disse ter gostado do sucesso de “Bom Dia, Tristeza” por não ter tido que se preocupar mais com ele. Octavio Paz, cujo último livro, “A Dupla Chama”, foi sobre o amor, sentimento tão caro a Paulo Bomfim, para quem “só amando nos renovamos”.

O poeta, que foi retratado por Tarsila do Amaral, se mostrou particularmente sensível às mulheres, manifestando o grande apreço pela companheira ali presente, Fafá, e pelas ancestrais, a mãe, a avó e a bisavó, cujas fotos ele fez questão de me mostrar. 

Levantou-se com certa dificuldade, saiu da sala e voltou trazendo as três preciosas fotografias. Sugeri que se fizesse uma colagem e ele gostou da ideia, que depois foi viabilizada.

Também de Lacan nós falamos. “Em que consistia a psicanálise dele?”

Procurei explicar, mencionando a relação com a poesia e citei uma frase do mestre: “Não sou suficientemente bom poeta para ser um grande analista”. 

A citação me fez lembrar de versos de Paulo Bomfim que eu havia lido no dia anterior: “De palavra em palavra/nós arranhamos o horizonte”. Ousei dizer que ele era um poeta lacaniano.

“Mas por que ?” “O poema não diz alcança e sim arranha, dando ênfase à falta. Lacan teria assinado embaixo porque, se não fosse a falta, o desejo não existiria.”

O frescor de Paulo Bomfim, aos 92 anos, era impressionante. Poderia dizer : “Minha alma a tudo se entrega”. Como Montesquieu.

Antes de me despedir, recebi “Diário do Anoitecer” e “Navegante” , cujos poemas não parei de degustar, lembrando do homem que fazia jus aos  seus versos: “Procuro renascer todos os dias/ Não concordo em morrer vivo”.

Com ter renascido todos os dias, escreveu uma obra que, além de eterna, é moderna: “A alma não cabe na memória dos computadores/ nem se enquadra no paraíso do consumo/ O mistério do Ser escapa às tecnocracias”.

Não fosse o tamanho de Paulo Bomfim, a igreja da Sé não teria aberto as suas portas para a celebração da Missa de Sétimo Dia. Não teria exaltado, pela primeira vez, a memória de um escritor, incitando outros a acreditar nas tão desacreditadas letras e cultivar o livro que, segundo o poeta é a tábua possível de resistir ao naufrágio e comandar marés: “Cabe a ele a missão de povoar solidões”.

Paulo Bomfim é verdadeiramente imortal, alcançou a eternidade que  é, como ele escreveu, “uma questão de  garra ou de Graça”.

Betty Milan é psicanalista e escritora e autora de “Carta ao Filho” (Record)
 

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