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Taylor Swift revive frustrações de Prince ao provocar a indústria da música

Cantora pop reacende antiga briga entre gravadoras e artistas por direitos autorais

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Ben Sisario Joe Coscarelli
The New York Times

É uma das lições mais velhas e mais duras da indústria da música: não importa quanto sucesso um artista tenha, o mais provável é que alguém mais seja o proprietário de seu trabalho.

Prince, ao protestar contra o controle de sua gravadora, Warner Bros., sobre seus masters, arriscou um trocadilho em 1996: "Se você não é dono de seus masters, seus masters [mestres] são donos de você".

Naquele mesmo ano, quando Janet Jackson negociou um contrato histórico com a Virgin Records, a propriedade de suas gravações originais foi um dos pontos mais importantes do acordo.

Agora é possível acrescentar Taylor Swift à lista dos artistas que lastimam que suas criações sejam propriedade de terceiros. Ela voltou a usar o megafone da mídia social para provocar debate sobre o funcionamento da indústria da música.

Em post no Tumblr domingo, Swift respondeu amargamente à notícia de que sua antiga gravadora, Big Machine, tinha sido vendida por mais de US$ 300 milhões a uma empresa dirigida por Scooter Braun, empresário de astros pop como Justin Bieber e Ariana Grande.

Swift tinha fortes objeções pessoais à transação, que abarcava os direitos sobre seus seis primeiros álbuns, culpando Braun por orquestrar "bullying incessante e manipulativo contra mim" por parte de Kanye West, outro cliente do empresário.

Mas o episódio também expõe a questão política, conflituosa e pouco compreendida, das gravações master, as gravações originais do trabalho de um artista, e dos direitos autorais associados a elas.

O proprietário do master controla todos os direitos de exploração sobre ele, entre os quais o de venda de álbuns e o de licenciamento de canções para filmes ou videogames.

O artista continua a ganhar royalties pela gravação, quando os custos associados estiverem cobertos, mas o controle do master pode trazer mais renda, bem como alguma proteção quanto à forma futura de uso da obra —esses direitos são separados dos direitos autorais de composição.

O significado profundo que os músicos atribuem aos masters ficou exposto no mês passado, quando uma reportagem da The New York Times Magazine expôs um incêndio acontecido em 2008 no Universal Music Group que resultou na destruição de muitas gravações originais; um grupo de músicos abriu processo contra a gravadora pelo material perdido.

Historicamente, as gravadoras retiveram direitos sobre os masters como compensação pelos riscos financeiros que assumem ao bancar um artista ao longo de sua carreira.

"Fundamentalmente, o modelo de negócios sob o qual a maioria das gravadoras opera não é muito diferente do negócio de capital para empreendimentos", disse Larry Miller, diretor do programa de negócios de música na Escola Steinhardt de Cultura, Educação e Desenvolvimento, da Universidade de Nova York.

"Ele realizam investimentos em talentos não confirmados", acrescentou. "A contraparte é que, tradicionalmente, o master fica com a gravadora."

Swift, apesar de aparentar desfrutar de um nível quase sem paralelo de controle sobre sua carreira —por exemplo, em 2015 ela conseguiu que a Apple mudasse sua política de royalties só para acomodá-la—, assinou um acordo desse tipo com a Big Machine em 2005, quando estava começando na música. O post dela no domingo era em parte um alerta aos jovens artistas, para que não assinem contratos desse tipo.

"É isso que acontece quando você assina um contrato aos 15 anos de idade com alguém para quem o termo 'lealdade' é claramente apenas um conceito contratual", escreveu Swift, em uma crítica a Scott Borchetta, criador da Big Machine.

Horas mais tarde, Borchetta postou uma resposta que incluía um trecho de uma proposta de acordo segundo a qual Swift teria retomado o controle sobre suas gravações caso tivesse renovado com a Big Machine no ano passado.

Ela optou por assinar com a Universal. Seu próximo álbum, "Lover", sai em agosto.

Borchetta também questionou a afirmação de Swift de que ela só tinha descoberto sobre o acordo de venda quando o assunto foi noticiado —ele diz que a avisou em uma mensagem de texto na noite anterior— e apontou que o pai dela, Scott Swift, é acionista minoritário da Big Machine.

A troca de farpas entre Swift e Borchetta, um raro exemplo de lavagem de roupa suja contratual em público e fora dos tribunais, cativou o setor e despertou questões sobre a dinâmica tradicional de poder entre artistas e gravadoras.

"Esse tipo de acordo não é incomum nem controverso", disse o magnata da mídia David Geffen. "Ela não quis pagar os US$ 300 milhões. Alguém mais quis. Ofereceram um acordo a ela que lhe daria a propriedade de seus masters. Ela rejeitou. Só o tempo dirá quem tomou a decisão sábia."

Geffen, que Braun costuma descrever como mentor, acrescentou que "eu aposto que Scooter criará uma grande empresa, com a adição desse ativo".

Steve Stoute, executivo de música e publicidade cuja nova companhia, UnitedMasters, permite que artistas retenham os direitos sobre as gravações, disse que o episódio envolvendo Swift é um exemplo doloroso do que pode ser definido como "o problema fundamental da indústria da música".

"O setor de música historicamente opera com o mesmo modelo dos meeiros na agricultura", disse. "Você faz o trabalho; nós o levamos a acreditar que seja dono dele; você age como se fosse dono; mas em última análise os donos somos nós."

A batalha entre Swift e Braun também causou divisões entre as celebridades na mídia social, bem como acusações de exploração entremeadas a questões de lealdade pessoal.

Alguns dos clientes de Braun, como Justin Bieber e Demi Lovato, defenderam o caráter do empresário. "Já lidei com gente do mal no setor, e Scott não é uma dessas pessoas", escreveu Lovato no Instagram.

Mas outras cantoras e compositoras aproveitaram o exemplo de Swift como oportunidade para discutir suas experiências em um negócio que há muito enfrenta críticas pelo tratamento dado a muitos criadores, especialmente as mulheres jovens e as pessoas não brancas.

"Assinei contratos aos 15 anos e ainda pago as consequências", escreveu a cantora Sky Ferreira, 26, no Instagram, depois de recomendar o post de Swift a seus seguidores.

"Insistir quanto aos seus direitos, valor e propriedade não faz de você uma pessoa difícil." Ela acrescentou que "só porque o sistema é o mesmo há décadas, não significa que ele seja bom ou que tenhamos de nos curvar a ele".

Em declaração de apoio a Swift, a cantora pop Halsey escreveu que "me revira o estômago saber que, não importa quanto poder ou sucesso uma mulher tenha na vida, ela continua suscetível a que alguém apareça e a faça se sentir impotente por puro despeito".

Alessia Cara também se pronunciou: "Parem de roubar de mulheres que dão duro!!!".

E a rapper Iggy Azalea, interagindo com fãs no Twitter, acrescentou que "é por isso que fico muito feliz por ser dona do master do meu novo álbum; eles realmente sacaneiam muito as pessoas quanto à sua propriedade intelectual".

Depois de anos de ausência das grandes gravadoras, Azalea recentemente anunciou um acordo com a distribuidora Empire, que aceitou que ela tenha propriedade de suas gravações.

A tensão sobre a propriedade dos masters é quase tão velha quanto o setor, mas foi ganhando força com o avanço dos poderes dos superastros —ainda que isso em geral lhes custe anos de trabalho.

Prince se rebelou contra a Warner Bros. em 1996, depois de quase 20 anos de sucessos. E quando Jay-Z se tornou presidente-executivo da gravadora Def Jam, em 2004, ele insistiu em retomar o controle dos masters dos trabalhos que tinha lançado por aquele selo.

A virada do setor para o modelo de streaming começa a mudar a dinâmica entre aristas e gravadoras; estas costumavam ter influência excepcional por conta de sua capacidade de comercializar álbuns e promover canções no rádio. Com as mudanças no mercado, alguns artistas mais jovens optam pela autonomia.

O cantor e rapper XXXTentation, por exemplo, morto em um tiroteio no ano passado, rejeitava contratos longos com gravadoras em troca de contratos específicos para cada lançamento, com adiantamentos menores mas controle completo dos masters e uma alíquota mais alta de royalty.

O talento de Swift para alimentar debates continuados no Tumblr —a plataforma que ela usa com mais frequência para se comunicar com seus fãs mais leais— foi comprovada nos dias que se seguiram à publicação de seu relato do acontecido. "Taylor não será silenciada", escreveu um fã, em uma mensagem que Swift citou.

Há também quem questione se Swift, riquíssima e sempre disposta a propagar cuidadosamente os próprios mitos, é a melhor porta-voz para a causa, especialmente depois que Borchetta reagiu e mostrou ofertas de acordo e mensagens de texto privadas entre as duas partes.

Mas o poder da fama de Swift fez da mensagem dela sobre a importância de controlar os masters uma lição vital, segundo Stoute.

"Se você é artista hoje, precisa assinar seu contrato de gravação garantindo a propriedade do master", disse. "De outra forma, estará criando um ativo que não controlará."
 

 Tradução de Paulo Migliacci

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