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Em novo filme, Tarantino suaviza a sanguinolência para homenagear 1969

No ano em que se passa 'Era uma Vez em... Hollywood', contracultura transformou a indústria do cinema

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Los Angeles

O pequeno Tarantino brincava na sala de casa, em Torrance, nos arredores de Los Angeles, quando as notícias dos assassinatos cometidos pela gangue de Charles Manson pipocaram na televisão. 

“Perguntei ao meu padrasto ‘quem é esse tal Manson?’”, lembra o cineasta, sobre a noite de agosto de 1969 em que ouviu o nome do líder do culto. “Ele me falou ‘não se preocupe com isso, Quentin’. Era a coisa certa a se falar a uma criança de seis anos, curiosa por saber os detalhes grotescos.”

Cinquenta anos depois, o diretor usa a presença de Manson em Los Angeles para recriar um importante período de transição do cinema e da contracultura em seu novo filme, “Era Uma Vez em... Hollywood”, que estreia nesta semana.

Ao contrário do que sua filmografia violenta pode indicar, Tarantino não concentra a trama nos assassinatos, mas na relação entre o astro em decadência Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e seu dublê, Cliff Booth (Brad Pitt).

“Trabalhei com um ator que tinha um dublê antigo. Ele pediu uma oportunidade para o parceiro no meu filme, mas o dublê estava quase numa idade que não seria possível fazer o papel, porque estava ficando muito diferente do ator. Foi quando me veio a ideia de escrever sobre a dinâmica dessa dupla”, diz Tarantino.

Obcecado pela história de Hollywood, ele decidiu usar o ano de 1969 como pano de fundo, quando filmes mais coloridos deram lugar ao cinema casca-grossa dos anos 1970. 

Passou um ano escrevendo biografias fictícias de Dalton, sobretudo, e de Booth. Criou filmes e séries de mentira, inclusive episódios inteiros de “Bounty Law”, seriado de faroeste estrelado pelo primeiro.

“Era Uma Vez em... Hollywood” despeja referências para cinéfilos e amantes das antigos atrações de TV da década de 1950. Dalton é uma espécie de Steve McQueen que não teve “Sete Homens e Um Destino” como trampolim para o primeiro time do cinema. “Leo diz que sou a pessoa com menos empatia pela situação do personagem, porque acho que os problemas dele são criados por ele mesmo”, diz.

DiCaprio confirma a versão de Tarantino. “Ele se aproximava de mim e falava: ‘Ei, cara, você empregado em Hollywood. Sabe quantas pessoas não têm essa oportunidade? Pare de sentir pena de si mesmo’”, afirma o ator.

O fictício Dalton descarrega suas frustrações em bebedeiras em casa. É quando o longa de Tarantino passa a lidar finalmente com o elemento que une o personagem a Sharon Tate, interpretada por Margot Robbie. Ela é sua vizinha e mora com o marido, o cineasta Roman Polanski (Rafal Zawierucha).

Na vida real, a atriz, grávida, foi assassinada, em 9 de agosto de 1969, ao lado de quatro amigos na casa da Cielo Drive, por seguidores de Manson.

“Sharon carregava uma energia especial e muitas pessoas descrevem sua presença como etérea e angelical. Era uma pessoa aberta para oportunidades e experiências”, descreve Margot Robbie.

A escolha de Tarantino de retratar a atriz como uma personagem que orbita as figuras de Dalton e Booth gerou críticas no Festival de Cannes, onde o longa estreou, em maio. 

“Para mim, ela é uma ideia, uma presença. A ideia de Quentin era simbolizar algo e não usar Sharon como catalisadora da trama”, diz Robbie. “Comprei a ideia e acho que foi uma escolha ousada e linda.”

Remexer no assassinato mais famoso de Hollywood não foi uma decisão sem obstáculos. Tarantino soube que Polanski estava preocupado e decidiu mostrar parte do roteiro para um amigo em comum. 

“Faria o roteiro de qualquer maneira e não pediria permissão. Sei que é uma tragédia pessoal, mas ela virou parte da história dos Estados Unidos”, afirma o diretor. “Esse amigo em comum viu que Roman não precisava se preocupar.”

O filme pode surpreender muita gente esperando um show de violência centrado em assassinatos em série. “Era Uma Vez em... Hollywood” é o filme mais emotivo e engraçado de Tarantino, uma carta de amor para uma indústria que não existe mais. “Foi o fim de uma era”, diz DiCaprio. “Meus pais são  hippies até hoje e, pelo que me contaram, esses assassinatos botaram um ponto final na revolução utópica deles.”

Ao lado do colega de filmagem, Brad Pitt concorda. “Havia um movimento de amor livre gerado pelos tumultuados anos 1960. Tudo mudou quando as pessoas notaram que ninguém estava a salvo”.

Quando questionado se haveria um episódio tão sombrio na Hollywood moderna, Pitt foi enfático: “Harvey
Weinstein. Acho que agora estamos recalibrando a indústria de uma boa maneira”.
 

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