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Romance 'Controle' traz amadurecimento da geração da internet discada

Transição do analógico para o digital e descoberta de lesbianidade em cidade do interior são tema de obra

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Porto Alegre

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Nascidos na década de 1980 —assim como a protagonista de “Controle” (ed. Cia. das Letras, R$ 44,90, 176 págs.), romance da escritora Natalia Borges Polesso— sentirão nostalgia de um tempo em que os filmes eram alugados na videolocadora. 

A atmosfera criada pela autora é potencializada por detalhes que vão do “cabelo Bonnie Tyler” e “blusas azuis de mangas bufantes” até o prazer de ter a “própria gravadora de fitas cassete”.

“Fiz isso para marcar a minha geração, a minha adolescência, mostrar como foi entrar na idade adulta. É também um exercício de memória, da passagem do analógico para o digital, da minha vivência da internet discada”, diz Polesso.

Mas a nostalgia é também de um tempo em que a juventude podia refletir sobre si mesma sem tanta perplexidade com o contexto social e político do Brasil.

Retrato da escritora Natalia Borges Polesso
Retrato da escritora Natalia Borges Polesso - Laine Barcarol/Divulgação
 

Nos eventos de lançamento da obra, chegou a se falar que é um livro “Bolsonaro free”, que provoca a lembrança de um período não tão distante, em que as preocupações eram outras.

“Controle” é o primeiro romance da escritora que já publicou poesia, em “Coração à Corda” (Patuá, R$ 38, 86 págs.), e contos, como “Recortes para Álbum de Fotografia sem Gente” (Não Editora, R$ 39,90, 160 págs.) e “Amora” (Não Editora, R$ 44,90, 256 págs.). 

O último venceu o prêmio Jabuti na categoria de contos e crônicas, desbancando figuras como Rubem Fonseca e Luis Fernando Verissimo. 

Um dos contos de “Amora”, “Vó, a Senhora é Lésbica?”, caiu na prova do Enem de 2018. A escolha foi tanto um reconhecimento quanto um fardo para Polesso. A autora sofreu  ataques virtuais com mensagens de ódio, incluindo a falsa acusação de que abordava “incesto lésbico”.

“Controle” aborda existências lésbicas. O primeiro romance de Polesso é narrado em primeira pessoa —também uma marca geracional— pela protagonista Maria Fernanda, a Nanda. “Ela é uma narradora pouco confiável, que traz incerteza e confusão”, afirma Polesso.

“As pessoas nem sabem que ela pode ser lésbica. Essa é uma aposta do leitor. Até o final ninguém sabe de nada”, diz. Conforme as memórias de Nanda avançam da infância para a adolescência, se percebe sutilmente o amor pela melhor amiga, Joana. “Pode ser uma coisa platônica, a gente não sabe muito bem.” 

Alguns fatores atrapalham Nanda ao se assumir lésbica. Antes disso, ela chega a ter um namorado virtual, Antônio, com quem conversa por meio de chats. As discussões com o jovem do Rio de Janeiro iniciam com troca de fotos e depois avançam, junto com a tecnologia, para vídeos. 

Nanda é um pouco Macabéa, personagem de Clarice Lispector, deslocada e cheia de desejos que não entende perfeitamente.

A adolescente vive numa cidade do interior gaúcho e é epilética, condição que a deixa em verdadeiro isolamento. A solidão é representada pelo uso constante dos fones de ouvido de seu walkman, que estão quase sempre tocando New Order.

A inclusão de letras das músicas da banda britânica funciona como “âncora” da narrativa e dos sentimentos da personagem.

O grupo musical não está no livro por acaso. Surgiu de uma proposta anterior para narrativas longas inspiradas em bandas para uma coletânea literária proposta por outra editora. A ideia não vingou, e a escritora acabou transformando em romance. 

Em seu pós-doutorado, Polesso pesquisa “geografias lésbicas na literatura”. Esse contato influenciou a escritora a fugir de qualquer tipo de “fetichização” sobre lesbianidade.

“É uma personagem completa, complexa, que também é lésbica”, resume.

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