A sombra de William Faulkner percorre “Sem Túmulo”, longa de estreia do cineasta iraniano Mostafa Sayari que revisita livremente “Enquanto Agonizo”, livro de 1930 em que o autor americano descrevia a odisseia de um grupo de irmãos para sepultar sua mãe no Mississippi.
Ainda que nunca tenha se assumido como uma adaptação propriamente dita, a referência faulkneriana era mais clara no ano passado, quando o drama iraniano teve sua première na seção Horizontes do Festival de Veneza sob o mesmo título original da obra de Faulkner, “As I Lay Dying”, agora trocado para “Graveless”, em inglês.
No roteiro, assinado por Sayari, Behnam Abedi e Hamed Hosseini Sangari, três irmãos e um agregado percorrem o desértico sul do Irã para enterrar o pai. Desde a cena inicial, a tradicional economia narrativa do cinema iraniano, carregado de elipses, não entrega a natureza destas relações familiares oblíquas, carregadas de tensões só pouco a pouco declaradas ao longo da estrada.
O cenário desértico reforça uma ambientação de fim do mundo, de situação-limite. É visível o desconforto de um dos filhos (Nader Fallah) com a presença daquele que cuidava do pai morto (Madjid Aghakarimi) e que se tornou, contra a vontade do outro, executor dos últimos desejos do falecido. É ele quem garante aos outros que foi vontade expressa do pai ser enterrado na localidade distante, razão desta jornada exasperante.
O irmão mais jovem (Elham Korda) e a única irmã (Vahid Rad) revezam-se como mediadores entre os outros dois, sempre a um passo do enfrentamento físico, ainda mais na contingência de não encontrarem a estrada certa para o seu destino —o que atrasa o sepultamento, que não pode ocorrer à noite, além de impor complicações para conservar o corpo no forte calor.
Neste road movie em torno da morte —e também do colapso das aparências—, sobrepõem-se quatro personalidades distintas, perfeitamente contrastadas pelas interpretações bem marcadas dos atores.
Neste duelo de mágoas mútuas, alternam-se os espelhos que cada um coloca diante do outro, desencavando os segredos mal escondidos da família, que a presença de um anel no dedo do morto tem o poder de evocar como uma maldição.
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