Inhotim inaugura obra enquanto lida com efeitos de desastre de Brumadinho

Obra de Robert Irwin é desempacotada dez meses após tragédia que soterrou a região de lama

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Brumadinho (MG)

Uma chuva torrencial acaba de cair sobre o Instituto Inhotim, a uma hora de Belo Horizonte, e o cheiro de terra emana de toda parte. No ponto mais alto do instituto, uma construção de concreto de seis metros de altura e 14 metros de diâmetro contrasta com a paisagem bucólica. É a mais nova obra do museu, assinada pelo americano Robert Irwin, 91, pioneiro da criação de “ambientes” imersivos que ativam os cinco sentidos e alteram a percepção do espaço.

Nela, oito paredes inclinadas, dispostas em círculo, remetem a uma flor que desabrocha, ou a uma torre jamais finalizada, abandonada no meio da construção. Sobre elas, telhados de vidro manchados de amarelo tingem de leve o cinza —no sábado (9), data oficial da inauguração, o sol a pino faria com que borrões esverdeados iluminassem os visitantes que caminhavam através do trabalho.

“O que se vê no chão é, em última instância, uma experiência próxima de uma pintura criada pela natureza”, diz o diretor artístico do instituto, Allan Schwartzman, que compara a obra a templos religiosos e aos totens da Ilha de Páscoa.

Por entre as portas e janelas escavadas no concreto, árvores e casinhas ao longe não dão nem sinal de que parte da região foi soterrada pela lama há dez meses, quando rompeu uma barragem de dejetos da mineradora Vale —localizada no Córrego do Feijão, a mina fica no lado oposto do parque.

Os efeitos da tragédia são mais visíveis em Brumadinho. Pichações acusando a Vale de assassina e pedindo força da comunidade se repetem nos muros do centro.

No parque, um oásis de 140 hectares de verde idealizado pelo empresário da mineração Bernardo Paz, os funcionários —80% deles moradores da cidade— contam ter tido conhecidos mortos na tragédia e negócios familiares prejudicados. Um deles, o jardineiro Welberth Santos Braga, diz que começou a trabalhar no Inhotim justamente para fugir do emprego numa ferrovia local, com medo de novos acidentes.

O tema da mineração se insinua também nas novidades que o parque apresentou no fim de semana —sua última grande inauguração havia sido o pavilhão de Claudia Andujar, há quatro anos. Estas incluíram a reabertura de três espaços fechados para restauração, dos artistas Tunga, Matthew Barney e Yayoi Kusama, a adição de uma nova obra à galeria de Claudia Andujar e a inauguração de uma mostra temporária na Galeria Mata. Na última, uma escultura de Laura Vinci usa um equipamento de mineração para tirar grãos de pó de mármore branco de uma montanha e despejá-los no chão, simulando uma ampulheta. 

Obra de Laura Vinci exibida em exposição temporária do Instituto Inhotim
Obra de Laura Vinci exibida em exposição temporária do Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG) - Eduardo Eckenfels/Divulgação

Pedaços de minério de ferro também surgem aqui e ali no novo jardim, “Sombra e Água Fresca”, o maior do local, com mais de três hectares e cem espécies de árvores frutíferas.

Apesar dessas pedras literais e figurativas pelo caminho, Renata Bittencourt, diretora executiva do instituto, diz que a própria existência do museu é prova de que é possível regenerar uma região à primeira vista infértil. “Todo esse terreno que servia para transporte de minérios e pasto hoje flori”, afirma.

Mas os desafios pela frente não são poucos. Além da queda de público ocasionada pelo rompimento da barragem e, no ano passado, por um surto de febre amarela na região, o Inhotim enfrenta problemas financeiros desde 2017. Sua receita líquida caiu em um terço entre 2016 e 2018.

As soluções têm sido formas alternativas de financiamento, como o programa de patronos Amigos do Inhotim, que oferece planos anuais de R$ 140 a R$ 10 mil, a parceria com o festival Meca, que terá edições especiais no réveillon deste e do próximo ano, e a venda de múltiplos de artistas da coleção. Os mais recentes, lançados neste final de semana, são os de Laura Vinci (litografia a R$ 1.000) e Marcius Galan (escultura a R$ 10.000), vendidos também na Galeria Carbono, em São Paulo. Na próxima SP-Arte, os artistas invertem as linguagens —ela apresenta uma escultura, ele, uma litografia.

Bittencourt acrescenta que oito dos patrocinadores, uma lista cujo número cresceu de 10 para 12 este ano e permitiu um aumento de captação de R$ 2,6 milhões em relação ao ano passado, se comprometeram a seguir apoiando o parque no ano que vem.

Uma delas, a extratora de nióbio CBMM, da família Moreira Salles, financia a próxima grande inauguração do museu a céu aberto, o pavilhão da japonesa fascinada por bolinhas Yayoi Kusama. A previsão da abertura é setembro do ano que vem, para coincidir com a Bienal de São Paulo, segundo Freitas.

Até lá, o desafio do Inhotim não é diferente do das demais instituições voltadas culturais do país, diz Bittencourt: fazer com que todos, de empresas privadas à sociedade civil, vejam que manter uma iniciativa como esta pode ter um papel fundamental na reestruturação de uma comunidade.

A jornalista viajou a convite do Instituto Inhotim

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