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Mente de Mac Miller é labirinto de culpa e lamento em disco póstumo

'Circles' foi concluído pelo produtor Jon Brion a partir do material deixado pelo rapper, que morreu em setembro de 2018

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Circles

  • Onde Disponível nas plataformas digitais
  • Autor Mac Miller
  • Gravadora Warner Records

“Boas notícias. É só o que eles querem ouvir. Não gostam quando estou mal, mas quando estou ‘alto’, se sentem tão desconfortáveis. Então, qual a diferença?”, canta Mac Miller no refrão de “Good News”.

Na faixa, principal single do disco póstumo “Circles”, o rapper soa frágil e despedaçado. Em suas letras, parece se entender em só dois estados —triste ou chapado— e, em ambos os casos, sozinho.

Morto em setembro de 2018, após uma overdose de drogas, Miller ressurge agora em meio a um caos mental no álbum que ele havia deixado quase pronto e que foi finalizado pelo produtor Jon Brion, com autorização de sua família.

FILE -- Mac Miller in Los Angeles on May 31, 2013. Miller, the Pittsburgh rapper who built a loyal cult fan base with an easy, low-key charisma and intimate yet hazy verses, died on Friday, Sept. 7, 2018, at his home in California?s San Fernando Valley. He was 26. (J. Emilio Flores/The New York Times) --  PART OF A COLLECTION OF STAND-ALONE PHOTOS FOR USE AS DESIRED IN YEAREND STORIES AND RECAPS OF 2018 --
O rapper Mac Miller em Los Angeles em maio de 2013 - NYT

Miller e Brion haviam trabalhado em “Swimming”, o último disco do cantor, lançado um mês antes de ele morrer. Tinha sido o melhor álbum do rapper até então e, conceitualmente, há uma relação 
umbilical entre os trabalhos.

Se “Swimming” retratava o fim do relacionamento com Ariana Grande, “Circles” capta Miller perdido emocionalmente. Nos dois discos, ele soa introspectivo, em oposição completa ao jovem rapper de 2011, que teve o primeiro disco independente —“Blue Slide Park”— a chegar ao topo da parada americana desde 1995.

Ao longo de cinco álbuns, Miller foi de trilha sonora para festas de faculdade nos Estados Unidos a multi-instrumentista, produtor e MC respeitado pelo mais alto escalão do hip-hop americano —dos colaboradores Kendrick Lamar, Tyler the Creator a Earl Sweatshirt ao admirador Jay-Z.

Segundo os amigos, Miller não reagia bem às críticas. E, enquanto ele se esforçava para ser levado a sério, aos olhos da maior parte da imprensa, nunca se livrou da pecha de rapper jovem e de rimas bobas que ocupava o espaço de alguém mais talentoso nas rádios e nos festivais.

Independentemente disso, Miller estava em franco crescimento quando morreu. Nos últimos quatro anos, encontrou a sonoridade alinhada à cena atual de jazz e funk de Los Angeles —na linha dos amigos The Internet, Anderson Paak e Thundercat— que marcaram seus melhores trabalhos.

Em “The Divine Feminine”, de 2016, celebrava de maneira singela seu namoro com Grande, evocando sopros no estilo Chance the Rapper. Em “Swimming”, explorava o existencialismo e as harmonias de piano e guitarra que acabariam dominando “Circles”.

Melódico, o disco póstumo é suave e reflexivo, com as batidas eletrônicas e os arranjos de teclado do R&B contemporâneo. Miller soa mais cansado do que desesperado (vale lembrar, o cantor não se suicidou, e três pessoas foram acusadas de fornecer drogas adulteradas).

A produção de Brion —que, junto a Miller, tocou quase tudo no disco—, é leve e habilidosa, e a densidade do álbum está nas letras. O rapper pesa os arrependimentos e tenta se entender, em um processo que chega ao ápice justamente no fim de sua produção.

Sua relação com as drogas, da qual ele sempre falou abertamente, aparece ainda mais dura em “Circles”. Em “Hands”, Miller canta que prefere estar “voando como se não houvesse chão” do que estar triste. Se drogar, ele dizia em entrevistas, era sua maneira de lidar com a depressão.

Ao mesmo tempo, em “Hand me Downs”, Miller diz que precisa “ficar na linha”, em um verso que alude ao funcionamento de sua cabeça. Nos últimos anos, ele passou períodos tentando ficar sóbrio, mas acabava voltando para o lean —bebida com codeína e refrigerante, típica no trap, subgênero do rap— e outras substâncias.

Mas “Circles”, em sua franqueza, carrega toda a personalidade artística de Miller —para o bem e para o mal. Sua honestidade, que muitas vezes soava ingênua, aparece em sua forma mais brutal. Seu ego frágil
surge como culpa implacável em faixas como “That’s On Me”.

Nas letras, Miller se vê sozinho enquanto reconhece como ele mesmo afasta as pessoas. É um jogo de lamento e autocomiseração que mais parece um labirinto —ou um ciclo, como sugerido no título.

E até o fato de o disco não ter sido totalmente acabado torna “Circles” ainda mais espontâneo. Se o rapper havia se arrependido de algum verso, tampouco teve tempo de editá-lo.

“Circles” é tristemente bonito, e soa ainda mais dolorido depois que Miller —hoje sabemos— perdeu sua guerra emocional. Como canta em “Complicated”: “Algumas pessoas querem viver para sempre, eu só quero chegar ao fim do dia”.

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