Certa feita, Paulo Lins disse em entrevista que poesia é a verdade. “A verdade humana que estava ali, na violência da miséria”, complementou. Em “Dois Amores”, Lins esmiúça a verdade de dois irmãos, Lulu e Dudu, pelas ruas do Rio de Janeiro.
Com 48 páginas, não é só a sua brevidade que imprime rapidez à obra. Seu ritmo frenético é permitido pela prosa corrida, num único suspiro, já que o texto não se divide em parágrafos. Algo entre prosa e poesia slam, como notou o escritor Tom Farias no jornal O Globo. Trata-se de uma escolha adequada para o enredo do livro: as andanças de Lulu e Dudu pela cidade vendendo amendoim para “comprar tênis caro”.
Neste ritmo, Lins aborda pertencimento espacial. “E vocês aí? Como que vocês traz os policia pra favela? Mora onde? Tá fazendo o quê aqui?” No vaivém dos dois irmãos pelo Rio de Janeiro à procura de algum lugar pra dormir, Lins aborda a transitoriedade que caracteriza ser visto como “outro”. Policiais, criminosos, playboys: todos questionam os dois irmãos sobre seu lugar.
O autor parece implicar que, apesar destes questionamentos, é à cidade com sua violência e sua potencialidade que estes irmãos pertencem. Em “Dois Irmãos”, no entanto, coloca a capital como pano de fundo. Os atores principais são os irmãos, em toda a sua complexidade, e não como representantes de um grupo social. Fazê-lo os torna de carne e osso.
O título pode se referir às duas garotas, Soninha e Celinha, que os irmãos querem beijar. Quiçá, Lins queira também chamar de amor o sentimento de companheirismo que liga os dois irmãos. Quase como um “eu” coletivo, a dupla de irmãos é tratada por Lins com afeto e humanidade. Para pedir esmola, é necessário “ocultar aquela ânsia de ser feliz para sempre”, escreve.
Transitoriedade, violência urbana, estilo frenético e relações de companheirismo são temas comuns nas obras anteriores de Lins. Autor de “Cidade de Deus” e roteirista do filme “Quase Dois Irmãos”, Lins é mestre em entrelaçar poesia com a dureza da vida urbana.
Não como uma forma de romantizá-la, mas como quem diz que também é de poesia que a vida é feita.
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