Museu Casa do Pontal, no Rio, tenta se reerguer após década de inundações

Aterro para megacondomínio vizinho deixou sede mais de um metro abaixo das novas ruas

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São Paulo e Rio de Janeiro

Maior acervo de arte popular do país, o museu Casa do Pontal funciona numa antiga residência, em meio a um luxuriante jardim, no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio de Janeiro. No entanto a sede histórica, na qual o designer Jacques van de Beuque instalou nos anos 1970 sua coleção, construída ao longo de 40 anos, será abandonada.

A decisão não se deve a um movimento de renegar o passado, e sim à pura necessidade. Há uma década o local vem sendo ameaçado pelas águas, ano a ano.

O alagamento mais recente aconteceu nas chuvas que se abateram sobre a cidade no dia 1º de março. Naquele domingo, a inundação bateu um triste recorde e superou a do ano passado, até então a pior da história do museu.

Espera-se que em breve a instituição possa ser transferida para um novo prédio, em construção na Barra da Tijuca, também na zona oeste. Para viabilizar a obra, o museu tem uma campanha de financiamento coletivo (museucasadopontal.com.br/salveomuseu). O objetivo é arrecadar R$ 3,5 milhões até o fim de março.

O dinheiro não cobrirá tudo o que foi previsto no projeto original dos Arquitetos Associados, escritório mineiro com larga experiência em áreas expositivas —é a firma responsável, por exemplo, pelas galerias de Miguel Rio Branco e Claudia Andujar no Instituto Inhotim, nos arredores de Belo Horizonte.  

A prioridade, agora, é salvar a coleção. Embora, segundo Lucas van de Beuque, diretor-presidente do museu, nada tenha sido perdido desta vez, as inundações põem em risco um acervo composto em sua maior parte por obras feitas de material sensível.

São principalmente peças de madeira, barro, nem sempre com cozimento, e papel machê, que não podem ser molhadas nem sofrer grande variação de umidade.

As enchentes que as ameaçam não são mera obra da natureza.

Em 2011, teve início a construção de um megacondomínio nos fundos do terreno do museu. Hoje de uso residencial, o conjunto de prédios foi pensado para receber pessoal vindo para a Olimpíada de 2016.

O condomínio foi erguido sobre um aterro, justamente por se tratar de uma região alagadiça. Com isso, porém, o museu ficou um metro e meio abaixo das novas ruas, o que o expôs às enchentes recorrentes.

Reconhecendo a responsabilidade pelo problema, a prefeitura doou, há quatro anos, o terreno na Barra da Tijuca para a construção da nova sede.

As obras tiveram início em junho de 2016. O orçamento inicial era de R$ 11 milhões, dos quais R$ 7,5 milhões representariam o pagamento de uma dívida da construtora Calper ao município, e R$ 3,5 milhões viriam do museu.

Em abril de 2017, contudo, as obras foram interrompidas após pedido de recuperação judicial da construtora, que ficou devendo quase R$ 2 milhões de sua parte na obra.

A construção da nova sede ficou parada até janeiro deste ano, quando Lucas van de Beuque e o museu cansaram de esperar uma decisão da prefeitura quanto ao acordo e, com dinheiro levantado entre empresas e pessoas físicas, retomaram os trabalhos.

Os fundos a serem obtidos com a atual campanha de arrecadação cobririam o que a prefeitura não pagou e também os acréscimos que a obra teve graças à paralisação —cerca de R$ 1 milhão.   

Procuradas, as secretarias de Infraestrutura e a de Urbanismo disseram que o caso da verba para a nova sede do museu não lhes compete. A assessoria da prefeitura encaminhou as perguntas da reportagem à Secretaria Municipal de Cultura, que não respondeu até a conclusão desta edição.

Nas obras da nova sede, já é possível ver as paredes e as escadas que levam aos diferentes andares; no momento está sendo feita a cobertura.

Se, na Casa do Pontal, é como se uma floresta tropical envolvesse o visitante, nas futuras instalações, em meio a área ainda livre de prédios na Barra da Tijuca, será possível ver a pedra da Gávea.

A visada da pedra é um dos aspectos valorizados pelos arquitetos, de modo a “trazer a ambiência” que o museu original tem, nas palavras de Paula Zasnicoff, uma das responsáveis pelo projeto.

Na falta da "preexistência muito incrível” do espaço original, com seu jardim e sua história, o escritório pensou numa praça de acolhimento de grandes dimensões, que tivesse vegetação e água. O projeto desse recinto ficou a cargo do escritório de Burle Marx.

Mas, embora tenha sido definitivo para a concepção da nova sede, o grande jardim da entrada não poderá, por ora, ser realizado. O prédio tampouco vai ocupar toda a extensão prevista no projeto.

Paula Zasnicoff afirma que essas adaptações, bem como um futuro crescimento do espaço, são favorecidas pela lógica modular que orienta o projeto. Nele, as áreas de exposição se alternam com espaços vazios, formando jardins internos que “trazem luz e qualidade espacial” para as salas.

“Claro que a situação ideal seria construir tudo junto”, diz a arquiteta, mas o fundamental, acrescenta, é “aproveitar esse momento que é muito triste para essa necessidade de resgatar e manter a coleção”.

A expectativa de Van de Beuque é que a obra acabe em julho deste ano, o que possibilitaria que o museu inaugurasse a nova sede em novembro.

Dez dias após a última enchente, a Casa do Pontal ainda não está plenamente recuperada. Pouco após a última enchente, era possível notar ainda do portão que as coisas não iam bem. O caminho coberto por pedrinhas até a casa estava cheio de lama e, em alguns pontos, havia buracos enormes.

Nos fundos do terreno, um funcionário retirava papelão encharcado por uma porta de madeira talhada com motivos de animais; outros dois, com enormes rodos, puxavam água pela porta de saída. Cadeiras e pufes secavam ao sol.

Se nada se perdeu, foi porque o museu adquiriu expertise em lidar com as enchentes. Não só foram feitas adaptações na expografia ao longo dos anos como também os funcionários se mobilizam rapidamente quando vem a chuva.

No dia 1º, eles levaram as peças dos lugares mais baixos das vitrines para os mais altos, onde a água não chegaria, ou para o piso superior; de tarde, a água passou a entrar com mais força, quando o canal ao lado da casa transbordou.

As visitas ao local, que recebe em média 4.000 pessoas ao mês, devem ser retomadas no dia 17 de março. Fechar o espaço enquanto a nova sede está fora de cogitação, diz Lucas van de Beuque.

“Manter o museu aberto garante visibilidade. Ter o acervo à vista, com equipes monitorando as obras foi o que nos permitiu não ter perdas.”

A partir desta semana, uma amostra do rico acervo da instituição pode ser vista no Sesc Santos, no litoral paulista. Organizada por Angela Mascelani, diretora da Casa do Pontal, a exposição “(Re)Inventar - Artistas Criadores”, com mais de 200 obras de 33 artistas, ficará em cartaz até 26 de julho.

(Re)Inventar - Artistas Criadores

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