Os anos de pujança que o país sonhou se desenham nas obras interrompidas de espaços de arte e cultura. Prédios assinados por arquitetos como o Pritzker Paulo Mendes da Rocha e Diller Scofidio + Renfro arruínam-se a custos milionários.
O capixaba criou o Cais das Artes, em Vitória, e a Praça dos Museus da USP; os americanos, a nova sede do MIS-RJ.
Só esses três conjuntos somam gastos públicos da ordem de R$ 243 milhões, empatados por motivos que vão de construtoras falidas e editais cancelados à crise.
Detrás dos tapumes, quebra-sóis importados que deveriam emoldurar a paisagem estão expostos à maresia.
A obra parou em setembro de 2016, em meio a um litígio entre construtora e estado. Deveria ser retomada em breve; agora, já não há data.
Um edital para a conclusão foi aberto em 29 de março; em 3 de abril, o Tribunal de Contas do estado pediu o adiamento da licitação, que deveria fechar nesta terça (30).
O TCE-RJ listou 23 medidas, às quais a Secretaria de Infraestrutura e Obras do estado diz estar se adequando, como envio de documentos e explicações de aspectos do edital, para a licitação ser retomada.
A expectativa agora, diz a Seinfra, é que as obras, custeadas com recursos do Prodetur, programa de desenvolvimento turístico financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, "sejam retomadas ainda este ano".
Segundo a Seinfra, foram gastos até agora R$ 79 milhões; faltariam cerca de 30% da obra —e R$ 43 milhões.
Enquanto isso, o acervo do MIS ocupa duas sedes antigas no centro. A Secretaria da Cultura do estado não respondeu até a conclusão desta edição o que se tem feito pela manutenção desses espaços.
Também em 70% parou a obra do novo prédio do Museu Casa do Pontal, na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio.
O museu, dono da maior coleção de arte popular do país, alaga com a chuva desde 2011, quando se ergueu um megacondomínio olímpico nas imediações da sede original, no Recreio dos Bandeirantes.
Em 2016, a prefeitura cedeu um terreno e recursos. As obras tiveram início em junho daquele ano.
Lucas van de Beuque, diretor-presidente do museu, conta que o projeto feito pelos Arquitetos Associados —escritório mineiro responsável por vários prédios em Inhotim— é "supersimples, para construir de forma rápida, barata".
Os custos foram orçados em R$ 11 milhões; R$ 7,5 milhões viriam da prefeitura, por meio da construtora Calper, que devia aos cofres municipais esse montante; o resto viria do museu. Há 20 meses, a construtora pediu recuperação judicial, e a obra parou.
A Secretaria Municipal de Infraestrutura e Habitação diz que agendará "o mais breve possível" uma reunião com representantes da RioUrbe, da Secretaria Municipal de Urbanismo e do museu "para avaliar as demandas necessárias e buscar uma solução".
Um financiamento coletivo foi aberto no dia 24 para recuperar o espaço, fechado após as chuvas do início deste mês.
Também não falta muito para o Cais das Artes. À beira do mar de Vitória, o conjunto de teatro e museu projetado por Paulo Mendes da Rocha e escritório Metro segue à deriva.
Iniciada em 2010, a obra viu sua primeira construtora quebrar em 2012 e a segunda entrar numa pendenga com o governo do estado em 2015.
Em 2018, um edital para a conclusão foi anunciado e suspenso. Agora, o governo atual quer convencer a Andrade Valladares a voltar ao trabalho.
Luiz Cesar Maretto Coura, diretor do Iopes (Instituto de Obras Públicas do Espírito Santo), diz que espera, entre maio e junho, ter calculado os custos, incluídos os do abandono, para propor um acordo à construtora.
O projeto já não tem financiamento do BNDES, mas o diretor do Iopes diz que o governo está "em situação de equilíbrio". Mais de R$ 126 milhões foram gastos desde 2010. O edital cancelado previa usar mais cerca de R$ 68 milhões e dois anos e quatro meses.
Coura estima menos tempo. "O museu já está muito adiantado, ele é daquele jeito mesmo, tudo de concreto", diz. O que falta "é piso, pintura, fechamento, ligar o ar". Ao teatro faltam cobertura, acabamento e cenotécnica, lista ele, para quem a obra é de "extrema importância", um Maracanã para os músicos locais.
A falta de recursos parou, em São Paulo, mais uma obra de Mendes da Rocha, essa com o escritório Piratininga. A Praça dos Museus, no campus da USP, consumiu cerca de R$ 38 milhões até ter a construção interrompida, em 2014, em meio à crise da universidade.
Outra Praça, a das Artes, no centro de São Paulo, ficou sete anos semiencoberta por um tapume que impedia sua ligação ao vale do Anhangabaú.
Os arquitetos Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci comemoram ao ver se completar a vocação urbana do espaço. Os prédios seguem incompletos.
Falta, por exemplo, a sala de ensaio de orquestra do complexo, que reúne as casas dos corpos estáveis do Theatro Municipal e as escolas de música e dança da cidade.
A incompletude era o que justificava, para a prefeitura, o tapume. A presença de um coautor do projeto, Marcos Cartum, na gestão municipal —ele é o diretor do Museu da Cidade— colaborou para o entendimento de que era preciso abrir o espaço de vez.
Hugo Possolo, diretor do Theatro Municipal, diz querer criar uma programação artística que ocupe a praça e a torne "local de convívio", como o Lincoln Center, em Nova York, ou o londrino Barbican.
Segundo a Secretaria Municipal de Cultura, a segunda fase estará pronta em dois meses. "Posteriormente", diz, sem pôr data, virá "a terceira e última fase", de acabamentos.
Enquanto isso, músicos ensaiam no restaurante. Ao menos há ali concertos, exposições e aulas; o espaço se usa.
Mas a morosidade atinge também obras que não dependem só do Estado. O concurso para a construção do Museu Judaico na sinagoga Beth-El, na região central de São Paulo, foi vencido pelo escritório Botti Rubin em 2006. Só agora a obra está em acabamento.
Os atrasos começaram com a descoberta de que um terreno anexo não era da sinagoga, que o usava, mas da prefeitura.
Em 2008, o município cedeu ao museu, em troca de visitas gratuitas de escolas públicas, o uso do terreno. Ele hoje abriga a caixa envidraçada que contém o apoio necessário ao uso do ex-edifício religioso, onde se exporá o acervo.
A maior parte do problema é, no entanto, financeira.
Uma das fachadas do prédio, tombado durante as obras, foi restaurada com recursos da Alemanha. Mas, diz a arquiteta Simoni Saidon, o andamento fica condicionado a doações e leis de incentivo.
A primeira fase deve ficar pronta em dois meses. A segunda, referente à expografia, não tem data certa.
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