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Em romance, Jim Carrey conta história de apocalipse e renascimento em Hollywood

'Memoirs and Misinformation', escrito com Dana Vachon e lançado neste mês, usa detalhes da vida e carreira do ator

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Dave Itzkoff
The New York Times

Jim Carrey não está nada bem.

No início do romance “Memoirs and Misinformation” encontramos Carrey, seu protagonista, no meio de uma crise existencial, com dúvidas sobre seu próprio valor e confinado em sua casa em Los Angeles, onde subsiste à base de Netflix, YouTube e TMZ.

Seus sucessos como ator, em projetos tanto cômicos quanto dramáticos, não passam de objetos distantes no espelho retrovisor. Ele agora está com a atenção totalmente voltada à sua própria morte inevitável e ao eventual fim do universo.

Jim Carrey lançou, neste mês, romance escrito com Dana Vachon em que usa detalhes de sua vida e carreira
Jim Carrey lançou, neste mês, romance escrito com Dana Vachon em que usa detalhes de sua vida e carreira - Linda Fields Hill/NYT

Assim começa uma aventura satírica em que Carrey mergulha nas profundezas da cultura auto-obcecada de Hollywood.

Enquanto procura algum significado em sua vida e carreira, este Carrey também está tentando optar entre papéis de protagonista numa biografia filmada de Mao Tsé-Tung e filmes de estúdio baseados em brinquedos infantis. Está enfrentando incêndios florestais catastróficos, um grupo de ecoterroristas mulheres e uma invasão de óvnis. Está convivendo com gente como Nicolas Cage, Gwyneth Paltrow e Anthony Hopkins.

Por mero acaso, o Jim Carrey de “Memoirs and Misinformation” também compartilha um nome e vários detalhes biográficos importantes com Jim Carrey, o astro sempre mutante de filmes como “O Máskara”, “O Show de Truman”, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e “Sonic the Hedgehog”, que coescreveu o livro com o romancista Dana Vachon, de “Mergers and Acquisitions”.

Lançado pela Knopf em 7 de julho, “Memoirs and Misinformation” é fruto de uma colaboração de anos entre esses dois parceiros improváveis. É uma narrativa fictícia que parte de fatos da vida de seu coautor celebridade —e o acesso que ele tem a um mundo de privilégio e alienação máxima—para contar uma história que seus criadores acreditam ser muito própria para o momento atual.

Como explicou Carrey em entrevista no início do mês, “é o fim do mundo, e temos o livro perfeito para isso”.

“Não é o fim da civilização”, ele prosseguiu. “Só o fim de um mundo, o mundo egoísta. Estamos superando aquela coisa de Ayn Rand, ‘você pode ser um idiota e podemos todos viver num paraíso de idiotas’. É isso o que estamos vivendo agora.”

Segundo Vachon, trabalhar no romance lhe deu uma nova visão da natureza do estrelato, sem falar em uma apreciação maior das complexidades de Jim Carrey.

“Foi uma viagem até reinos longínquos de estrelato e as recompensas dos grandes artistas”, comentou Vachon. “Carrey é como um mergulhador que procura madre-pérola. Se ele não descer até grandes profundezas, voltará de mãos vazias. Não é possível criar grande arte só vivendo na superfície.”

Entrevistados pelo Zoom, Carrey e Vachon falaram sobre como foi criar “Memoirs and Misinformation”, a alegria de brincar com a zona limítrofe entre realidade e ficção e como eles preveem que Tom Cruise vai reagir. Seguem alguns trechos editados dessa conversa.

Como vocês entraram em contato?

Jim Carrey Nos conhecemos uns nove ou dez anos atrás, quando o Twitter estava começando a virar uma coisa importante, e as pessoas ainda estavam experimentando com isso.

Dana Vachon Tinha sido um inverno realmente deprimente. Eu estava em Williamsburg, tudo estava fechando, a construção estava parada. Um dia de manhã olhei no Twitter e Jim havia escrito “TOING” [onomatopeia].

Carrey Eu só estava querendo criar outra versão da força ou do chi. A energia que faz tudo o que é positivo na vida.

Vachon Então aquela foi nossa primeira comunicação. Eu respondi “TOING [o palavrão]”. Eu sou cético, um pouco ao estilo de Hitchens, e Jim é muito místico. Mas olhei aquilo e pensei: seria muito legal criar algo realmente verdadeiro com um artista desse calibre. Só que isso nunca vai acontecer. E não é que um ano mais tarde estávamos trabalhando em cima.

Bastou uma troca de posts no Twitter?

Vachon Tínhamos um agente em comum que falou “de repente vocês dois deveriam conversar”, mas não deu em nada. Depois do nosso primeiro encontro, eu falei algo tipo “ele é uma pessoa linda, nunca mais vou falar com ele, não mesmo”. Mas continuamos a nos falar.

Carrey Este cara tem uma integridade que não existe mais. Ficamos amigos imediatamente, e a amizade foi se aprofundando com o tempo.

Jim Carrey e Dana Vachon, autores do romance 'Memoirs and Misinformation'
Jim Carrey e Dana Vachon, autores do romance 'Memoirs and Misinformation' - Linda Fields Hill/NYT

Alguma vez você pensou em escrever uma biografia factual da vida de Jim Carrey?

Carrey Neste ponto de minha vida artística, não há nada de mais entediante que a ideia de pôr no papel os acontecimentos reais de minha vida em algum tipo de ordem cronológica. Tentar ampliar minha marca. Este livro não é isso. É um trabalho que criamos pelo amor à proposta.

Começamos e não conseguimos mais parar. Começou como uma espécie de bate-bola a dois, aqui e ali, e nos últimos anos virou um trabalho de oito horas por dia, 12 horas na maioria dos dias, simplesmente mandando ver juntos numa sala. Mas mesmo quando discordávamos, sempre acabávamos com algo mais interessante do que tínhamos concebido inicialmente.

O protagonista deste romance se chama Jim Carrey e viveu uma vida muito semelhante à sua. Mas quem é ele?

Carrey Jim Carrey neste livro é na realidade um representante –é um avatar de qualquer pessoa na minha posição. Do artista, da celebridade, do astro. Daquele mundo, com todos seus excessos, sua gula, sua vaidade e autoadmiração. Parte disso é muito real. Vocês só não vão saber qual parte é o quê. Mas mesmo as qualidades fictícias do livro revelam uma verdade.

Dana, como foi para você conhecer o Jim Carrey de verdade, em oposição à versão dele próprio que ele nos mostra na tela?

Vachon Em uma das primeiras vezes que ele me procurou, ele estava assistindo a “Jekyll and Hyde”, a versão com John Barrymore, que acabou servindo de subsídio à história. Ele me disse: “Observe Barrymore com atenção. Veja a economia de expressões dele”. E eu pensei, uau, Jim Carrey assiste muita Netflix.

Carrey Houve momentos em que tive muito medo. Vejo um John Lennon morto em cima de uma maca no YouTube. E fico totalmente consternado porque me dou conta de que quando meu corpo tombar, haverá gente fazendo selfies com ele. Alguém vai estar vendo isso como novidade. Aquele terror, aquele medo mortal, o desejo de ser um cadáver apresentável me levou a ir ao banheiro para me maquiar antes de ir para a cama para, se eu morresse no meio da noite, estar apresentável para o público que me adora.

Vocês dois juntos inventaram algumas cenas surpreendentemente emocionantes, como quando o Jim fictício se vê trabalhando ao lado de um rinoceronte criado digitalmente e contendo a essência de Rodney Dangerfield.

Vachon Escrever aquilo foi realmente intenso. Jim disse algo como “não sei o que você pensou que estivéssemos fazendo, mas nos próximos dois ou três dias vamos escrever coisas com Rodney Dangerfield no meio”. Quando isso termina, estou supercansado. Jim mostra uma caixa de tartaruga e abre a caixa.

Carrey Depois que Rodney morreu, Joan Dangerfield [sua viúva] me deu uma caixa belíssima, revestida de couro, contendo a camisa favorita de Rodney e seu cachimbo de fumar maconha. Se você conhecesse Rodney, saberia que para ele isso era mais ou menos o Santo Graal. [Fazendo a voz de Dangerfield] “Isso me mantém criativo, cara.”

Houve algum momento em seu processo que Jim tenha dito que vocês estavam levando a coisa longe demais ou que vocês não podiam seguir por aquele caminho?

Vachon Ele é a única pessoa em sua posição que diria “não me incomodo em ter uma cena incrível de combate em que eu só faço colocar munição na minha arma, não preciso matar ninguém, na realidade, nem preciso ter uma arma”.

Carrey Eu estava conversando com Nic Cage dois dias atrás. Eu não lhe tinha falado do livro, mas um dia falei de repente e ele só disse [fazendo a voz de Nicolas Cage] “Jim, estou tão honrado, cara, você não faz ideia”. Falei: “Eu lhe dei todas as melhores falas”. [Imitando a voz de Nicolas Cage] “Isso é uma coisa inédita!”. Ele está adorando.

Você já falou às outras celebridades que cita nominalmente que eles são personagens no livro?

Carrey Estamos mandando cópias do livro a todo o mundo com cartas explicando o que estamos fazendo.

Vachon “Cara Gwyneth.”

Carrey É sátira e paródia, mas também é feito com uma atitude reverente. A maioria das pessoas neste livro são pessoas que eu admiro muitíssimo.

Isso inclui o personagem que você diz que para finalidades legais será descrito apenas como 'Laser Jack Lightning'?

Carrey Isso foi apenas nós dois ironizando a mania de Hollwood de mover processos na Justiça. Conheço Tom Cruise. Ele pode me dar um soco na cara, mas, ei, eu aceito levar uma porrada para fazer arte. Acho que ele vai adorar.

Dana, houve algumas vezes em que este projeto lhe pareceu uma versão na vida real de 'Crepúsculo dos Deuses'?

Vachon Totalmente.

Carrey [Olhos arregalados, adorando] E eu, nesse caso, sou o quê?

Vachon “Barton Fink – Delírios de Hollywood” acho que viria mais ao caso. Mas, quando comecei a me preocupar, já era tarde demais.

Carrey O livro tinha tomado conta de nós.

Vachon E outra coisa, não foram oito anos só de trabalho. Trabalhamos realmente intensamente nos últimos dois anos. Mas estávamos sempre trabalhando com outras coisas também.

O livro retrata de um jeito bem colorido a frustração intensa do protagonista com Hollywood e como ele se sente distanciado de seu próprio trabalho, suas próprias realizações. Jim, até que ponto isso representa seus sentimentos verdadeiros?

Carrey “O Show de Truman” não foi um erro. Sou um sujeito que olhou para cima de repente um dia e começou a ver todo o maquinário e as luzes caindo do céu. Cada projeto é um pouco eu me recriando, derrubando o eu antigo e explorando alguma coisa nova. Durante toda a minha carreira, sempre esperei muito do meu público, e o público me deixou fazer essas coisas. Acho que os espectadores esperam isso de mim, de certa forma. Eles não esperam o convencional.

Dana, você acha que emergiu deste projeto um escritor diferente?

Carrey [Falando com Vachon] Cuidado. Muito cuidado nessa hora!

Vachon Acho que não dá para passar oito anos trabalhando com uma pessoa e não sair mudado. As pessoas em Nova York passam muitos anos em cima de uma única história. Em Los Angeles há uma agilidade e uma confiança, a ideia de que “vamos fazer isto e pronto”, enquanto na costa leste a ideia é “vamos esperar para ouvir Deus”. Escrever é um trabalho solitário, então foi muito bom ter um parceiro nesse trabalho. Podia ser três da tarde e eu dizia “e aí, cara, o que está acontecendo, o que você fez hoje?”. E mesmo assim parecia que era trabalho.

Jim, você acha que chegou a um entendimento diferente da criatividade ou celebridade?

Carrey Um artista é guardião de uma faísca divina. Essas pessoas, por mais complexa ou estranha que seja sua personalidade, têm uma ligação com alguma coisa divina e podem lhe dar essa conexão através do trabalho delas. É só isso que eu quis na vida. Quer estivesse fazendo algo cômico ou sério, tudo o que eu sempre quis, desde criança, é livrar as pessoas da preocupação. Acho que este livro é um exemplo disso, nada mais. E acho que chegamos lá no livro. Chegamos a um lugar onde damos um toque disso às pessoas.

Tradução de Clara Allain

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