Museus de São Paulo trocam de comando em meio à crise e buscam se reinventar

Novos curadores do MAM, do MAC e do MuBE assumem instituições com portas fechadas e sem data para reabrir

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São Paulo

Nomeados em plena pandemia da Covid-19, os novos dirigentes de três museus paulistanos —o MAM, Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAC-USP, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, e o MuBE, Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia, encaram uma situação inédita.

Com os sucessivos adiamentos de mostras e de eventos dos últimos meses, alguns deles só passam a assinar de fato suas programações em 2021.

Mais importante, o contexto do novo coronavírus implica uma série de desafios para esses curadores, entre eles quadros de funcionários esvaziados, expectativas de diminuição de verbas, e a comunicação com um público com receio de espaços fechados.

fachadas do MAC e do MuBE
Ilustração a partir das fachadas do MAC-USP e do MuBE, museus paulistanos - Jairo Malta

As estratégias dos três curadores —Cauê Alves, Ana Gonçalves Magalhães e Galciani Neves, nesta ordem— para lidar com os obstáculos vão por um mesmo caminho. Fortalecer setores educativos, expandir a presença virtual e buscar parcerias para refrear a crise são planos lembrados por todos.

Já sobre os calendários herdados, eles respondem que isso não os impediu de arregaçar as mangas desde agora. “Não vou ficar esperando até o fim de 2021 para fazer alguma coisa”, diz, bem-humorado, Cauê Alves, que assumiu a direção artística do MAM depois de quatro anos à frente do MuBE, que ele ajudou a legitimar no circuito da cidade.

Alves é um nome central nesta dança das cadeiras. Sua chegada ao MAM, fruto de um processo de seleção que demorou quase seis meses, coroa uma série de mudanças iniciadas ali no ano passado, quando Milú Villela, presidente da instituição por 24 anos, passou o bastão para 
a advogada e colecionadora Mariana Guarini Berenguer.

Antes que ele fosse anunciado, no entanto, o MAM começou a sentir os efeitos 
da crise. A paralisação levou à demissão de 13 funcionários do museu, pouco menos de um quarto do total. Uma mostra de arte indígena contemporânea que integraria a programação paralela da Bienal de São Paulo foi cancelada.

Alves afirma que é inegável que o MAM tenha sido afetado, assim como outras instituições culturais. Mas argumenta que se trata de uma instituição sólida, sem dívidas ou grandes problemas estruturais. Além disso, acrescenta, com o 
adiamento da própria Bienal para setembro do ano que vem, é provável que a parceria entre eles seja retomada.

Parcerias, aliás, são centrais nos planos de Alves para o MAM. Uma de suas propostas mais ambiciosas é intensificar a conexão dele com o entorno —o que inclui desde expandir as ações do MAM no parque a elaborar iniciativas com os demais museus dali.

“É claro que estou me adiantando, mas seria incrível se um artista pudesse fazer
uma intervenção no céu do Planetário”, ele exemplifica.

Outros planos do curador envolvem se voltar para o acervo, sempre a partir de um olhar crítico à arte moderna que, a despeito do nome do museu, representa uma parcela menor da sua coleção.

Ele ainda quer integrar as ações do educativo às da curadoria. “Me incomoda muito a ideia de que o educador é só reprodutor do discurso da curadoria. Não dá para um museu ter braços andando sozinhos, sem um corpo”, ele justifica

Ligado ao Ibirapuera por uma passarela, o MAC-USP, agora sob a direção da historiadora da arte Ana Gonçalves Magalhães, é outro que 
enfatiza a importância dos educadores no museu. O museu universitário abriga cerca de 10 mil obras, cujos autores incluem Picasso e Modigliani.

“Estou vendo muitas instituições os demitindo, 
dentro e fora do país, e na nossa percepção isso é um tiro no pé. É o caminho da mediação que precisamos entender
[no pós-pandemia]”, ela diz.

Magalhães afirma que o MAC não registrou demissões no período. No entanto, dois aguardados concursos para professor foram adiados para o fim do ano que vem por causa da Covid-19 —não houve contratações desde que o museu migrou da Cidade Universitária para o prédio atual, dez vezes maior, há sete anos.

Ela cita o número reduzido de pesquisadores como uma das adversidades que o museu tentará contornar com parcerias nos próximos tempos, assim como uma série de adaptações na infra-estrutura do antigo prédio do Detran, algumas delas em razão da pandemia, outras em curso desde a mudança.

Outra preocupação da diretora é a diversidade. Especificamente, como acolher o público heterogêneo que passou a frequentar o museu recentemente —e que, ela diz, contribuiu para quase triplicar o número anual de visitantes de 2013 a 2019— com a limitação da sua capacidade, obedecendo às medidas de segurança de uma eventual reabertura.

Por ora, a solução do MAC é investir no meio virtual, conta Magalhães, até então pouco explorado. De lá para cá, o museu intensificou a atuação nas redes sociais, promoveu lives e até abriu sua primeira exposição online, “Vídeo_MAC”, com artistas que 
atuaram num projeto pioneiro de videoarte nos anos 1970.

Diversidade também é uma palavra de ordem para Galciani Neves, que assumiu a curadoria do MuBE, que ocupa um prédio desenhado por Paulo Mendes da Rocha nos Jardins.

Ainda estruturando o planejamento para o ano que vem, mas tendo iniciado os trabalhos com uma série de 
bate-papos com artistas mulheres nas redes sociais, ela conta que entre seus principais objetivos está diversificar o público do museu, 
democratizando o seu acesso.

Fundamental também é lembrar à sociedade o papel que os museus podem ter num momento como o atual, ela afirma. “Um museu como o MuBE, que tem ecologia no nome, precisa apresentar questões que localizem e incrementem o debate sobre nossos impactos no mundo.

Alves ecoa essa função social dos museus. “Entendo que, tirando a pandemia, a crise que vivemos no mundo é de sensibilidade. As pessoas não conseguem sentir o outro, e a arte pode contribuir para mudar isso”, ele diz, citando práticas terapêuticas como as da psiquiatra Nise da Silveira e da artista Lygia Clark. “Acho que essa é uma responsabilidade que o MAM tem que trazer para si.”

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