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Bibliotecas reabrem após deixarem milhares de paulistanos sem livros

Instituições públicas voltam a partir da próxima semana; Mário de Andrade vai emprestar com agendamento

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Instalações da Biblioteca de São Paulo no parque da Juventude, que vai reabrir no dia 16 Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

Quando a quarentena fechou boa parte de São Paulo, a Mário de Andrade, sua maior biblioteca, tinha emprestado 3.548 livros a gente da cidade toda.

Essas pessoas acabaram tendo uns meses a mais para terminar de ler —e não vão escapar de devolver agora que a instituição vai reabrir, na fase verde da pandemia—, mas faz mais de um semestre que ninguém pode pegar nenhum livro novo ali.

São 34 milhões de pessoas, em todo o país, as que frequentam bibliotecas —seja para pegar livros, pesquisar ou só passar o tempo. E segundo a pesquisa Retratos da Leitura, 70% delas são das classes C, D e E, que concentra, aliás, 27 milhões de leitores.

É de se pensar o efeito que a falta repentina do acesso a esses acervos teve na parcela da população que depende deles para ler e estudar —e também está na ponta mais frágil da desigualdade de acesso à internet que ainda assola o país.

“A existência de uma biblioteca no bairro é fundamental. Não apenas para formar leitores, mas para gerar sociabilidade”, diz o consultor José Castilho, que foi secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e da Leitura por dez anos no governo federal. “Quando se fecha uma biblioteca, temporária ou permanentemente, temos fechada uma porta à leitura, à informação e, em última instância, ao acolhimento.”

Segundo Leonardo Ribeiro, que está no primeiro ano de física na Unicamp, biblioteca pública nunca foi uma realidade próxima. Criado num bairro da periferia de Campinas, no interior paulista, ele diz que precisava fazer um caminho de 20 quilômetros até o centro para pegar livros do Sesc da cidade.

“Como eu não posso comprar livros por serem caros, eu costumava ir a feiras como a da USP, comprar com desconto”, afirma. “Agora que entrei na Unicamp, pretendia ir lá porque o acervo é extraordinário. Mas, pela pandemia, não teve como.”

O coronavírus é um motivo eloquente para impedir a circulação em bibliotecas, já que além de dividir ambientes, as pessoas compartilham objetos, que podem ser vetor de contaminação.

Mas fato é que foi dado, nesta sexta, o sinal verde para que as bibliotecas da capital paulista voltassem a funcionar, meses depois que outros estabelecimentos de convívio público como restaurantes e shoppings obtivessem essa permissão.

A Mário de Andrade deve abrir suas portas no próximo dia 19, com as outras 53 bibliotecas subordinadas à Secretaria Municipal de Cultura, para receber os livros a ser devolvidos e emprestar outros do acervo circulante, que dispõe de 55 mil títulos —mediante agendamento por site ou telefone, que começa já no dia 13.

As outras coleções, que exigem consulta presencial —é bom lembrar que mais de 3 milhões de itens integram o acervo completo— não serão disponibilizadas agora. Os livros emprestados precisam, via de regra, ser quarentenados por sete dias, o que impõe um desafio extra de logística.

A instituição vai ficar de olho nos desdobramentos para pensar a volta de outras atividades e espaços. “Melhor ir com calma num primeiro momento”, diz a diretora Joselia Aguiar, que busca evitar filas e aglomerações numa biblioteca que, ano passado, foi visitada por 253 mil pessoas nas áreas de acervo.

Na pandemia, a biblioteca manteve eventos culturais online, e Aguiar diz considerar, no longo prazo, a distribuição de obras em formato ebook. Segundo ela, é cenário para um plano de metas de cinco anos contratar uma plataforma que permita esse tipo de empréstimo.

“Todas as bibliotecas do país tiveram um clique sobre o quanto podemos avançar para tornar o acesso mais democrático”, diz ela.

Pierre Ruprecht, diretor da SP Leituras, que controla as bibliotecas estaduais do parque Villa-Lobos e do parque da Juventude —que receberam juntas 660 mil pessoas ano passado—, diz que avançou a negociação de audiobooks e ebooks para o acervo.

“O acesso gratuito a livros digitais que não sejam de domínio público é bastante raro, porque até recentemente não havia nem esse modelo de negócios para bibliotecas. Agora está começando a haver.”

As duas instituições devem voltar a funcionar na próxima sexta, por apenas quatro horas diárias a partir das 11h. Segundo Ruprecht, o acervo de livros vai ser isolado, e o atendimento no balcão vai ser
restrito a quatro pessoas por vez. O acesso a computadores e a espaço para estudo também vai voltar, com reduções.

As bibliotecas geridas por redes comunitárias também se adaptaram à pandemia. Val Rocha, do Literasampa, conta que a organização fechou seus espaços físicos, mas manteve o trabalho nas periferias de São Paulo com a entrega de um kit que abarcava tanto livros como produtos de alimentação e higiene.

Além disso, investiram na realização de lives e na disseminação de literatura por meios como áudios de WhatsApp e carros de som. “Fomos inventando e abrindo novas possibilidades para não adoecer.”

Castilho, o consultor, lembra, porém, que “a existência dessas bibliotecas feitas com recursos da própria comunidade acontece porque o Estado fica ausente”.

O coronavírus, na verdade, só realçou um vácuo que já vinha se abrindo, afirma o especialista. Segundo ele, nos anos mais recentes houve corte de recursos para bibliotecas, não foram renovados profissionais que se aposentaram e não se investiu em formação.

“Nos últimos cinco anos não se construiu uma única biblioteca pública nesse país. Inclusive em São Paulo. Há uma carência dentro dessa carência da Covid.”

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